Art. 2 ─ Se os flagelos com que somos punidos por Deus nesta vida podem ser satisfatórios.

O segundo discute-se assim. ─ Parece que os flagelos por que somos punidos por Deus nesta vida não podem ser satisfatórios.

1. ─ Pois, satisfatório não pode ser senão o que é meritório, como do sobredito resulta. Ora, não podemos merecer senão pelo que em nós existe. Logo, como os flagelos pelos quais somos punidos por Deus não existem em nós, parece que não podem ser satisfatórios.

2. Demais. ─ A satisfação é obra só própria dos bons. Ora, os tais flagelos recaem também sobre os maus e sobre eles devem principalmente recair. Logo, não podem ser satisfatórios.

3. Demais. ─ A satisfação concerne os pecados passados. Ora, às vezes esses flagelos recaem sobre quem não tem pecado, como se deu com Jó. Logo, parece que não são satisfatórios.

Mas, em contrário, o Apóstolo: A tribulação produz paciência, e a paciência experiência, isto é, purificação dos pecados, como o expõe a Glosa. Logo, os flagelos desta vida purificam dos pecados. Portanto, são satisfatórios.

2. Demais. ─ Ambrósio diz: Embora a fé, isto é, a consciência do pecado, falte, a pena satisfaz. Logo, os flagelos desta vida são satisfatórios.

SOLUÇÃO. ─ A compensação pela ofensa passada pode ser dada por quem ofendeu, e por outrem. Quando dada por outrem, essa compensação tem natureza, antes, de vingança, que de satisfação; quando porém dada pelo ofensor mesmo, tem também natureza de satisfação. Por onde, se os flagelos, que Deus às vezes inflige pelos pecados, se tornem de certo modo do próprio paciente, assumem a natureza de satisfação Ora, o paciente os apropria a si quando os aceita para se purificar dos seus pecados, sofrendo-os com paciência. Mas, se, com impaciência, recalcitrar contra eles, então de nenhum modo se lhe tornam próprios. Por isso não assumem, a natureza de satisfação, mas só de vingança.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Embora os flagelos de nenhum modo dependam da nossa vontade, têm contudo a finalidade de serem sofridos por nós pacientemente. E assim fazemos da necessidade virtude. Por onde, podem ser meritórios e satisfatórios.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Como, no dizer de Agostinho, o mesmo fogo que torna o ouro incandecente queima a palha, assim também contra os mesmos flagelos, que purificam os bons, os maus se rebelam com impaciência. Por onde embora os flagelos sejam comuns, contudo servem só aos bons de satisfação.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Os flagelos concernem sempre à culpa passada; mas nem sempre a uma culpa pessoal, porque podem ser provocados por culpa da natureza. Pois, se nenhuma culpa preexistisse na natureza humana, nenhuma pena haveria. Como porém a culpa precedeu na natureza, Deus faz recair a pena sobre uma determinada pessoa, sem culpa dela, para mérito da virtude e cautela do pecado futuro. E esses são dois elementos necessários da satisfação Pois, há de a obra ser meritória para dar glória a Deus; e é mister seja guarda das virtudes, para ficarmos preservados dos pecados futuros.