Art. 2 ─ Se o matrimônio devia ser instituído antes do pecado.

O segundo discute-se assim. ─ Parece que o matrimônio não devia ser instituído antes do pecado.

1. Pois, o que é de direito natural não precisa ser instituído. Ora tal é o matrimônio, como do sobredito resulta. Logo, não precisava ser instituído.

2. Demais. ─ Os sacramentos são uns remédios contra a doença do pecado. Ora, um remédio não se prepara senão para curar uma doença. Logo, não devia ser instituído antes do pecado.

3. Demais. ─ Para um mesmo fim basta uma só instituição. Ora, o matrimônio foi instituído também depois do pecado, como diz a letra do Mestre. Logo, não foi instituído antes do pecado.

4. Demais. ─ A instituição de um sacramento pode ser feita por Deus. Ora, antes do pecado, as palavras referentes ao matrimônio não foram determinadamente proferidas por Deus, mas por Adão. Quanto às palavras pronunciadas por Deus ─ Crescei e multiplicai-vos, também se aplicam aos brutos, para os quais não há matrimônio, Logo, o matrimônio não foi instituído antes do pecado.

5. Demais. ─ O matrimônio é um sacramento da Lei Nova. Ora, os sacramentos da Lei Nova tiveram o seu início na instituição de Cristo. Logo, não devia o matrimônio ser instituído antes do pecado.

Mas, em contrário, o Evangelho: Não tendes lido que quem criou o homem desde o princípio fê-los macho e fêmea?

2. Demais. ─ O matrimônio foi instituído para a procriação dos filhos. Ora, já antes do pecado era necessário ao homem essa procriação. Logo, o matrimônio devia ser instituído antes do pecado.

SOLUÇÃO. ─ A natureza inclina para o matrimônio tendo em vista um bem, que varia segundo os diversos estados em que vivem, os homens. Por isso, e necessariamente, esse bem foi instituído diversamente conforme os diversos estados humanos. Por isso, o matrimônio, enquanto ordenado à procriação de filhos, necessária mesmo antes de existir o pecado, foi instituído antes do pecado. Mas enquanto remédio contra as lesões causadas pecado, foi instituído depois do pecado, no tempo da lei da natureza, Quanto porém à determinação de pessoas, a instituição teve lugar na lei de Moisés. Mas, enquanto representa o mistério da união entre Cristo e a Igreja, foi instituído, na Lei Nova, sendo assim sacramento dessa lei. Quanto enfim às outras vantagens resultantes do matrimônio, como a amizade e o obséquio recíproco que os cônjuges mutuamente se prestam, haure a sua instituição na lei civil. ─ Mas como um sacramento deve por essência ser um sinal e um remédio, o matrimônio é um sacramento em razão das instituições intermediárias de que foi objeto. Pela sua primeira instituição, porém foi estabelecido como uma função natural; e quanto à última, desempenha o papel de um ofício social.

D0NDE A RESPOSTA À PRIMEIRA ORAÇÃO. ─ O que é em geral de direito natural precisa ser instituído nas minúcias da sua aplicação, que correspondem diversamente aos diversos estados humanos. Assim é de direito natural que os crimes sejam punidos mas só o direito positivo determina a pena merecida por uma determinada culpa.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O matrimônio não é só um remédio contra o pecado, mas sobretudo uma função da natureza. Por isso, como tal e não como remédio, é que foi instituído antes do pecado.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Sendo necessário regulamentar o casamento de maneiras diversas, não há inconveniente em que tenha tido várias instituições. E assim essas instituições diversas não coincidem na identidade de objeto.

RESPOSTA À QUARTA. ─ O matrimônio foi instituído por Deus antes do pecado, quando formou o corpo da mulher de uma costela de Adão, dando-lhe a este como companheira e dizendo-lhes: Crescei e multiplicai-vos, O que, embora também o tivesse dito aos animais, não deviam eles contudo ser realizados por eles do mesmo modo por que o foram pelos homens. Quanto a Adão, foi por inspiração divina que pronunciou essas palavras, para que compreendesse que a instituição do matrimônio foi feita por Deus.

RESPOSTA À QUINTA. ─ Enquanto sacramento da Lei Nova, o matrimônio não foi instituído antes de Cristo, como do sobredito se colhe.