Art. 1 ─ Se é boa a seguinte definição de consanguinidade: A consangüinidade é o vínculo, que liga os descendentes ele um mesmo tronco por geração carnal.

O primeiro discute-se assim. ─ Parece má a seguinte definição da consangüinidade dada por certos: A consangüinidade é o vínculo, que liga os descendentes de um mesmo tronco, por geração carnal.

1. Pois, todos os homens descendem de um tronco, que é Adão. Se, pois, a referida definição da consangüinidade fosse boa, todos os homens seriam consangüíneos uns dos outros. O que é falso.

2. Demais. ─ Vínculo não pode existir senão entre semelhantes, pois, o vínculo une. Ora, os descendentes de um tronco comum não tem maior semelhança entre si, que com os outros homens; pois,sendo da mesma espécie, que os demais homens, só numericamente diferem entre si. Logo, a consangüinidade não é um vínculo.

3. Demais. ─ A propagação carnal, segundo o Filósofo, provém do alimento supérfluo. Ora, esse supérfluo tem mais relações com as coisas ingeridas, em si mesmas, que com a pessoa que as ingeriu. Logo, assim como não há nenhum vínculo de consangüinidade entre o que nasce do sêmen e os alimentos ingeridos, assim também nenhum vínculo prende o filho e os pais que o geraram.

4. Demais. ─ Na Escritura Labão diz a Jacó: Tu és o osso dos meus ossos e a carne da minha carne, por causa do parentesco existente entre eles. Logo, esse parentesco deve ser chamado antes carnal que consangüíneo .

5. Demais. ─ A geração carnal é comum aos homens e aos animais. Ora, nenhum vínculo de consangüinidade liga os animais filhos carnais de uma mesma geração. Logo, o mesmo se dá com os homens.

SOLUÇÃO. ─ Segundo o Filósofo, toda amizade implica uma certa comunhão de vida. E como a amizade é uma ligação ou união, por, isso à comunhão da amizade se chama vínculo. Eis porque dessa vida em comum deriva o nome designativo dos que ela liga reciprocamente. Assim, chamam-se concidadãos os que vivem em comunhão política; e companheiros de armas os que participam da mesma vida militar. Do mesmo modo, consangüíneos se chamam os ligados por uma vida comum natural. Por isso a referida definição introduz o vínculo, como, por assim dizer, o gênero da consangüinidade; como sujeito, os descendentes de um mesmo tronco, porque entre eles é que esse vínculo existe; e a geração carnal, como princípio.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A virtude ativa não tem a mesma perfeição no instrumento segundo e no agente principal. E como todo motor movido é um instrumento, daí resulta que, em qualquer gênero, a virtude do primeiro motor, passando por muitos intermediários, acaba de esgotar-se e vem dar num ser, só móvel e não motor. A virtude porém do gerador, não só transmite os caracteres específicos, mas também os individuais, em razão dos quais o filho se assemelha ao pai, não somente pelos caracteres específicos, mas ainda, pelos acidentais. Contudo, essa virtude individual do pai não se manifesta no filho tão perfeitamente como no pai; em o neto ainda menos, e assim por diante, enfraquecendo-se cada vez mais. Razão por que essa virtude às vezes falha e acaba por esvair-se. E como a consangüinidade consiste em muitas pessoas procederem, por via de geração do mesmo poder ativo gerador, da vai aos poucos desaparecendo, corno diz Isidoro. Por onde, na definição da consangüinidade não se deve mencionar o antepassado mais afastado, mas o mais próximo, cuja virtude ativa ainda perdura nos que dele nasceram.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Já resulta do que dissemos, que os consangüíneos se assemelham, não somente pela natureza específica, mas também pelos traços individuais, que receberam de um mesmo indivíduo e se transmitiram a muitos. Eis a razão pela qual os filhos às vezes se assemelham, não somente ao pai, mas também ao avô, ou aos parentes remotos, como ensina Aristóteles.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A semelhança se funda, antes, na forma, que atualiza o ser, que na matéria, princípio da potencialidade. E isso bem se vê no carvão, mais semelhante ao fogo, do que à arvore donde foi cortada a lenha. Do mesmo modo, o alimento já convertido na substância do ser vivo, pela virtude nutritiva, mais se assemelha ao ser que dele se nutria, que à matéria que serviu de nutrição. Quanto à objeção, ela colheria, na opinião daqueles que diziam que a natureza de um ser provém totalmente da matéria, e que todas as formas são acidentes. O que é falso.

RESPOSTA À QUARTA. ─ O que proximamente se converte no sêmen é o sangue, como o prova Aristóteles. E por isso o vínculo fundado na geração carnal, mais propriamente se chama consangüinidade que parentesco carnal. E quando se usa da expressão, que um consangüíneo é a carne de outro, entende-se no sentido que o sangue, convertido em sêmen viril ou em mênstruo, é potencialmente carne e ossos.

RESPOSTA À QUINTA. ─ Certos ensinam que a razão de ser a geração carnal o vínculo de consangüinidade, que liga só os homens, e não os animais é a seguinte: Todo o realmente pertencente à natureza, em todos os homens, já existia no primeiro homem ─ o que não se dá com os animais. Mas, se assim fosse, a consangüinidade, no matrimônio, nunca deixaria de existir. Ora, essa opinião já foi refutada no segundo livro. E por isso devemos pensar, que isso se dá porque os animais não se unem, para contrair uma amizade, e depois propagar a vida em vários seres, a partir de um antepassado próximo, como se dá com o homem.