Art. 1 ─ Se o parentesco espiritual impede o matrimônio.

O primeiro discute-se assim. ─ Parece que o parentesco espiritual não impede o matrimônio.

1. Pois, só impede o matrimônio o que contraria um de seus bens. Ora, o parentesco espiritual não contraria nenhum bem do matrimônio. Logo, não no impede.

2. Demais. ─ Um impedimento perpétuo ao matrimônio não pode coexistir com este. Ora, o parentesco espiritual pode coexistir com o matrimônio, como diz a Letra do Mestre. Tal o caso de quem batiza o próprio filho, urgindo a necessidade; embora fique então ligado à esposa por parentesco espiritual, o matrimônio nem por isso se dissolve. Logo, o parentesco espiritual não impede o matrimônio.

3. Demais. ─ A união espiritual não se transmite à carne. Ora, o matrimônio é uma união carnal. Logo, sendo o parentesco espiritual uma união espiritual, não pode causar impedimento ao matrimônio.

4. Demais. – Os contrários não podem produzir o mesmo efeito. Ora, o parentesco espiritual parece contrário à disparidade de cultos; pois, o parentesco espiritual é um laço resultante da administração do sacramento, ou da participação intencional do mesmo; ao passo que a disparidade de culto consiste na carência do sacramento, como se disse antes. Logo, como a disparidade de culto impede o matrimônio, parece que o parentesco espiritual não produz esse efeito.

Mas, em contrário. ─ Quanto mais sagrado for um vínculo espiritual é mais sagrado que o corporal. Logo, como o vínculo do parentesco corporal impede o matrimônio, parece que o parentesco espiritual há de ter o mesmo resultado.

2. Demais. ─ No matrimônio a união das almas é mais principal que a dos corpos, pois, a precede. Logo, o parentesco espiritual pode impedir o matrimônio, muito mais que o parentesco carnal.

SOLUÇÃO ─ Como pela geração carnal recebemos a vida natural, assim pelos sacramentos recebemos a vida espiritual da graça. Por onde, assim como o vínculo contraído pela geração carnal é natural, por ser efeito da natureza, assim também o vínculo contraído pela recepção dos sacramentos é nos de certo modo natural, como membros que somos da Igreja. Portanto, assim como o parentesco carnal impede o matrimônio, assim também o espiritual, por determinação da Igreja.

Contudo devemos distinguir, em matéria de parentesco espiritual. Pois, é precedente ou consequente ao matrimônio. Precedente, impede-o de ser contraído e o dirime se já o foi: mas se é consequente, não rompe o vínculo matrimonial. Devemos porém distinguir; quanto ao ato conjugal. Quando o parentesco espiritual nasceu da urgência da necessidade, como no caso de o pai batizar o filho em artigo de morte, o ato matrimonial não fica impedido para nenhum dos cônjuges. Quando porém não foi a urgência da necessidade a causa do parentesco espiritual e os esposos ignoravam esse efeito, então o resultado é o mesmo que no caso antecedente, com a condição que quem é responsável tenha procedido com toda a atenção necessária.

Quando enfim o parentesco espiritual não teve como causa a necessidade, mas nasceu de um ato plenamente deliberado, então o seu autor perde o direito de pedir o cumprimento do dever conjugal, devendo contudo cumpri-lo quando pedido pelo outro cônjuge, pois não deve este ficar prejudicado pelo ato culposo alheio.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Embora o parentesco espiritual não impida nenhum dos bens principais do matrimônio, impede contudo a multiplicação da amizade, que é um dos seus bens secundários. Pois, o parentesco espiritual é por si mesmo uma razão suficiente de amizade. Mas deve o matrimônio ser uma fonte de relações familiares e amigáveis com outrem.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O matrimônio é um vínculo perpétuo. Portanto nenhum impedimento sobreveniente pode dirimí-lo. Por isso acontece às vezes coexistir o matrimônio com o seu impedimento. Mas isso não se dá se o impedimento era precedente.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A união matrimonial não é só corporal, mas também espiritual. Por isso, o parentesco espiritual causa-lhe impedimento, sem que deva por isso transformar-se em parentesco carnal.

RESPOSTA À QUARTA. ─ Nenhum inconveniente há em dois contrários se oporem a um terceiro; assim, o grande e o pequeno igualmente se opõem ao igual. Ora, assim, a disparidade de culto e o parentesco espiritual se opõem ao matrimônio; porque o primeiro põe entre os esposos uma distância maior, e o segundo um maior parentesco, que o permitido pelo matrimônio. Por isso de ambos os lados fica impedido o casamento.