Um problema semântico: tolerância e relativismo

Postado em 14-09-2010

Pe. João Batista de Almeida Prado Ferraz Costa

O ecumenismo e o diálogo inter-religioso pós-conciliar produziram, como todos sabemos, os mais amargos frutos. Hoje prevalece, em quase todos ambientes, a idéia de que todas as religiões são mais ou menos boas e verdadeiras. A única coisa que importa é a sinceridade com que o homem a pratica.

Diante de tal descalabro, algumas autoridades eclesiásticas com mais senso de responsabilidade reagem e pedem um remédio. O cardeal Giacomo Biffi, arcebispo emérito de Bolonha, confessou apreensivo que ouviu uma freirinha sirigaita dizer, muito satisfeita: “Senhor cardeal, o grande legado do papa João Paulo II foi mostrar que todas as religiões são boas!”

Como se sabe, o papa Bento XVI, desde os tempos em que era prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, em várias ocasiões criticou o relativismo, ficando célebre a sua expressão “ditadura do relativismo”, proferida por ocasião do conclave que o elegeu.

Todavia, parece-me que o Santo Padre tem em vista, sobretudo, o relativismo ético.  Não admite um ceticismo nem um cinismo que neguem valores morais perenes.

Mas no plano teológico observo que há um problema, talvez derivado da mentalidade humanista e otimista que prevaleceu durante e após o Vaticano II: uma Igreja aberta e em diálogo com o mundo, com as “outras religiões”, ajudaria a humanidade a progredir moralmente, a evitar uma terceira guerra mundial  e a alcançar a paz!

Ora, essa atitude humanista e filantrópica leva certamente a querer ver “aspectos positivos” em todas as coisas, ou ao menos em todas as religiões. Nessa perspectiva, a Igreja de Cristo tem de subsistir em qualquer grupo de homens de boa vontade.

Creio que ninguém negaria que tal é a mentalidade religiosa predominante em nossos dias. Que tal é a “política” adotada pelas autoridades.

Pois bem, quando se vêem aspectos positivos em todas as coisas, quando se diz, como já foi dito em um documento, que a humanidade tem necessidade das “religiões” para o seu desenvolvimento, quando se diz que a força de convicção dos adeptos das “outras religiões” (como também já foi dito oficialmente há alguns anos) é obra do Espírito Santo atuando fora das fronteiras visíveis da Igreja, quando se diz que, através do diálogo ecumênico e inter-religioso, há um enriquecimento recíproco das “comunidades eclesiais” e das religiões, quando se diz que o ministério petrino deve ser submetido a um reexame para descobrir-se uma nova modalidade de seu exercício, quando o papa passa a ser visto como o grande animador do movimento ecumênico e do diálogo inter-religioso mundial e não mais propriamente como o sucessor de Pedro, chefe da Igreja Católica, quando se admite tudo isto, eu pergunto: estamos diante de uma atitude de tolerância religiosa ou de relativismo teológico?

Não julgo as intenções de ninguém. Mas acho que há um problema sério aí. E vejo muita covardia em homens que tinham a obrigação de agir e reagir à altura diante de tal calamidade. Uma vez um prelado me disse que ficou indignado quando o Boff disse que a umbanda, o candomblé, a macumba e não sei mais o que eram também uma ação do Espírito Santo. Por que indignar-se se há um pecado maior?

Quando o teólogo jesuíta belga Dupuis, corifeu da teologia das religiões, foi citado perante o tribunal do antigo Santo Ofício, recusou retratação, dizendo que tinha chegado a sua conclusão com base na realidade eclesial. Assistia razão ao infeliz herege! Por que condená-lo? É coar um mosquito quando se engole um camelo!

O inesquecível jornalista Lenildo Tabosa Pessoa dizia que há muita gente esquerdista e socialista sem o saber. Hoje também há muito relativista sem o saber. Pensa que é tolerante quando na verdade é relativista. A tolerância é a atitude que se toma diante de um mal que não se pode impedir e então sofre-se o mal por caridade ou prudência a fim de evitar um mal maior. Hoje não se consideram as “outras religiosas” um mal; pelo contrário, formula-se um juízo positivo a respeito das mesmas.

Portanto, estamos diante de uma questão semântica. A tolerância já não significa a mesma coisa. Significa ou encobre uma postura realmente relativista senão teórica ao menos prática. E como não há prática sem teoria, cumpre reconhecer que há uma nova teologia heterodoxa por trás de tal prática ou uma gravíssima falta de prudência nas relações entre a Igreja e o mundo.

Tolerantes por caridade e prudência foram os papas de antes do Vaticano II. Chamando as coisas pelo seu verdadeiro nome (religiões falsas são religiões falsas), suportaram com paciência e heroísmo as conseqüências  dos erros modernos que não podiam impedir mas não cessavam de condenar abertamente.

Hoje os verdadeiros tolerantes são chamados intolerantes, sectários, integristas, fundamentalistas. E os relativistas e liberais são chamados tolerantes.

Anápolis, 14 de setembro de 2010.

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