Art. 1 — Se a lei humana deve ser feita para o bem comum ou antes, para o particular.

(V Ethic., lect XVI).

O primeiro discute-se assim. — Parece que a lei humana não deve ser feita para o bem co­mum, mas antes, para o particular.

1. — Pois, o Filósofo diz: Legal é a lei esta­belecida para casos particulares; e também os decretos que regulam, como o legal, casos parti­culares, pois são expedidos para se aplicarem a atos particulares. Logo, a lei não é feita só para o bem comum, mas também para o par­ticular.

2. Demais. — A lei é diretiva dos atos humanos, como já se disse (q. 90, a. 1, a. 2). Ora, os atos humanos versam sobre o particular. Logo, a lei humana deve ser feita, não para o bem comum, mas antes, para o particular.

3. Demais. — A lei é a regra e a medida dos atos humanos, como já se disse (q. 90, a. 1, a. 2). Ora, a medida deve ser certíssima, como diz Aristóteles. Logo, nos atos humanos, não podendo haver nada a tal ponto certo que não falhe em casos particulares, parece que as leis devem ser feitas, não para o bem geral, mas para o particular.

Mas, em contrário, diz o jurisperito: O di­reito deve ser constituído para regular o que fre­qüentemente se dá e não, para o que acontece fortuitamente.

SOLUÇÃO. — Tudo o que existe para um fim deve ser-lhe proporcionado. Ora, o fim da lei é o bem comum; pois, como diz Isidoro, a lei deve ser estabelecida para a utilidade comum dos cidadãos, e não, para a utilidade privada. Por onde, devem as leis humanas ser proporcionadas ao bem comum. Ora, este consta de muitos elementos, que portanto, a lei há de necessariamente visar; no concernente às pessoas, aos atos e aos tempos. Pois, a comunidade civil é com­posta de muitas pessoas, cujo bem é buscado por meio de muitas ações. Nem a lei é instituída para durar pouco tempo, mas para perdurar longamente, através da sucessão dos cidadãos, como diz Agostinho.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O Filósofo distingue três partes na justiça legal, que é o direito positivo. Pois certas leis são, em si mesmas, estabelecidas para o bem geral; e são as leis gerais. E a esta luz, diz: ao legal é indiferente vir a ser de um ou de outro modo mas já não o é, quando está estabelecido: p. ex., que os prisioneiros sejam resgatados por um certo preço estatuído. — Outras são gerais, sob certo respeito e particulares, sob outro. E essas se chamam privilégios, quase leis privadas, porque respeitam pessoas singulares, embora o seu vigor se estenda a muitos outros casos. E por isso acrescenta: além disso, todas as leis feitas para casos particulares. — Certas determinações tam­bém se chamam legais, não por serem leis, mas por constituírem aplicação das leis comuns a certos fatos particulares; e tais são os decretos, tidos como leis. E, por isto, acrescenta: os decretos.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O que é diretivo deve sê-lo de muitas coisas. Por isso, o Filósofo diz, que tudo o pertencente a um mesmo gênero é medido pelo que é primeiro nesse gênero. Pois, se fossem as regras ou as medidas tantas quantas as coisas medidas ou reguladas, cessaria por certo a utilidade daquelas, que consiste em podermos conhecer muitas coisas por meio de uma só. E assim, nenhuma utilidade teria a lei, se não abrangesse senão um ato particular. Ora, para dirigir atos particulares são estabe­lecidos os preceitos singulares dos prudentes. A lei, ao contrário, é um preceito comum, como já se disse (q. 92, a. 2 arg. 2).

RESPOSTA À TERCEIRA. — Não devemos buscar em tudo a mesma certeza, diz Aristóteles. Por onde, nas coisas contingentes, como as natu­rais e as humanas, basta uma certeza tal, que seja um princípio verdadeiro, na maior parte dos casos, embora, em alguns possa a não vir a sê-lo.