Art. 1 — Se a Paixão de Cristo causou a nossa salvação a modo de mérito.

O primeiro discute-se assim. — Parece que a Paixão de Cristo não causou a nossa salvação a modo de mérito.

1. — Pois, os princípios das paixões não estão em nós. Ora, ninguém merece nem é louvado senão em virtude de um princípio em si existente. Logo, a Paixão de Cristo nada operou em nós a modo de mérito.

2. Demais. — Cristo desde o princípio da sua concepção mereceu tanto para si como para nós, segundo se disse. Ora, é supérfluo merecer alguém de novo o que já antes merecera. Logo, Cristo pela sua Paixão não mereceu a nossa salvação.

3. Demais. — A raiz do mérito é a caridade. Ora, a caridade de Cristo não aumentou mais na Paixão, que antes. Logo, não mereceu a nossa salvação mais, sofrendo, que antes.

Mas, em contrário, àquilo do Apóstolo — Pelo que Deus o exaltou – diz Agostinho: A humildade da paixão é o mérito da glória; a glória é o prêmio da humildade. Ora, Cristo foi o glorificado, não só em si mesmo, mas também nos seus fiéis, como ele próprio o disse. Logo, parece que Cristo mereceu a salvação dos seus fiéis.

SOLUÇÃO. — Como dissemos, a Cristo foi dada à graça, não só como a uma pessoa singular, mas enquanto cabeça da Igreja, de modo que dele redundasse para os membros dela. Por isso as obras de Cristo estão para o mesmo e para as suas obras, assim como estão às obras de um homem constituído em graça para com ele próprio. Ora, é manifesto que quem, constituído em graça, sofre pela justiça, por isso mesmo merece para si a salvação, segundo aquilo do Apóstolo: Bem-aventurados os que padecem perseguição por amor da justiça. Por onde, Cristo, pela sua paixão, merecem a salvação não somente para si mas também para todos os seus membros.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Apaixão, como tal, procede de um princípio exterior. Mas, enquanto sofrida por um paciente voluntariamente, procede de um princípio interno.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Cristo, desde o princípio da sua concepção, mereceu-nos a salvação eterna. Mas, de nosso lado, certos impedimentos constituíam um obstáculo a conseguirmos o efeito dos méritos precedentes. Por isso, a fim de remover esses impedimentos é que Cristo teve de sofrer, como dissemos.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A Paixão de Cristo teve certo efeito que não tiveram os méritos precedentes; não por causa de uma caridade maior, mas pelo gênero da obra, que era concordante com esse efeito, como ficou claro pelas razões supra – aduzidas referentes à conveniência da Paixão de Cristo.