Arquivo de abril de 2011

Boas recordações de D. Mayer

Postado por Admin.Capela em 19/abr/2011 - Sem Comentários

Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

Conheci D. Mayer lá por volta de 1979, em São Paulo, na sede do conselho nacional da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade. Um amigo convidou-me para ir lá conhecê-lo a ele e ao Dr. Plínio Correa de Oliveira. Foi um encontro brevíssimo. Mas ficou-me uma boa impressão.

Passados alguns anos, um parente longínquo meu, o saudoso Dr. José Benedicto Pacheco Salles, convidou-me para ir à igreja de Santa Generosa, no bairro do Paraíso, assistir a uma missa de D. Mayer. Fiquei surpreso porque ele se recordou de mim e do encontro rápido que tínhamos tido. A partir de então, comecei a ter um contato assíduo com D. Mayer, que vinha com freqüência a São Paulo e se hospedava naquela paróquia regida por seu sobrinho, o cônego José Payne.

Era uma alegria assistir à sua missa celebrada em um altar tradicional situado no coro da igreja. Sempre se reunia um pequeno grupo de católicos da tradição, núcleo inicial desse movimento que se expandiu muito esses últimos anos em São Paulo.

Após a missa, diversas vezes fui convidado a tomar o café da manhã em sua companhia, porque queria pedir-lhe algum esclarecimento sobre minha vocação sacerdotal. Lembro-me de que ele me pediu que escrevesse uma carta  a um padre de Campos responsável pela vocações sacerdotais.

Em todas essas ocasiões D. Mayer sempre se mostrou um homem bem humorado, alegre e sereno.  Sua conversação não se limitava ao assunto que em geral predomina nas reuniões de católicos tradicionalistas, a crise na Igreja e no mundo contemporâneo. Ele nos brindava com suas memórias da antiga São Paulo dos tempos da República Velha.

D. Mayer era um sacerdote formado em uma época em que não só Igreja florescia sob o influxo da luta de São Pio X contra o modernismo, mas também  sociedade paulistana rejuvenescia espiritualmente por obra do grande arcebispo D. Duarte Leopoldo e Silva. As famílias católicas  tinham a sua disposição bons colégios católicos e paróquias bem dirigidas por padres sérios e vida espiritual sólida. E D. Mayer deu uma grande contribuição  para tal rejuvenescimento como professor de sociologia na Faculdade Sedes Sapientiae. Conheci uma senhora que foi sua aluna e me disse que grande professor tinha sido ele. A meu ver, foi o período áureo do catolicismo em São Paulo, e talvez em todo o Brasil. Com efeito, o Brasil crescia graças à cafeicultura, uma riqueza que propiciava industrialização e  a ascensão social de classes mais modestas dentro de uma sociedade marcada profundamente pelos valores católicos. Hoje o Brasil cresce e a sociedade desmorona!

Lembro-me de que uma vez D. Mayer emitiu sua opinião sobre a decadência da sociedade brasileira. Disse que a Proclamação da República tinha sido um golpe contra nossas raízes culturais católicas, mas que a Revolução de 1930, guindando ao poder Getúlio Vargas, tinha aberto as portas do Brasil para o populismo esquerdista e a luta de classes.

Depois, fui convidado a ir a Campos e cheguei a ficar hospedado em sua casa algumas vezes. Desse período ficou a melhor lembrança de um bispo muito pio. Quando falava das coisas de Deus, as expressões que lhe assomavam aos lábios, vindas do fundo do coração, eram sempre Deus Nosso Senhor, Maria Santíssima e nossa santa religião. Bem diferente da maneira como muitos, até padres, pronunciam o nome santo de Deus. Edificava-nos só por sua grande devoção a Nossa Senhora, mas também pela maneira como tratava os padres e como por esses era amado e reverenciado. Nos dias de hoje isso é coisa rara. Tornou-se comum, infelizmente, um relacionamento frio e cheio de desconfiança entre o ordinário e o presbitério. A hierarquia festeja o povo de Deus e despreza o clero.

Desde então comecei a ler seus artigos e cartas pastorais. Em seus escritos é digno de nota  tanto o seu rigor teológico, sua precisão de conceitos, quanto seu estilo castiço, sua linguagem elegante que lembra um Carlos de Laet, a quem ele muito admirava. Se hoje em dia no Brasil houvesse uma crítica literária idônea, D. Antonio de Castro Mayer certamente teria seu nome consagrado como um bom autor da literatura brasileira contemporânea. Não me consta que nenhum outro bispo tenha escrito tão bem como ele. Lia os artigos de D. Lucas Moreira Neves no jornal O Estado de São Paulo e, francamente, D. Mayer sempre me pareceu muito superior pelo conteúdo e pela forma. Se D. Pestana nos tivesse legado cartas pastorais, talvez pudesse ombrear com D. Mayer em nobreza de estilo e acuidade de espírito teológico. Infelizmente partiu desta terra deixando saudades dos seus belos sermões, mas privando-nos de uma obra de grande qualidade que poderia ter produzido. Realmente, foi uma pena, porque, se tivesse sido um articulista dos grandes jornais, como aqueles bispos que nos anos oitenta escreviam no Jornal do Brasil contra a teologia da libertação, sem dúvida D. Pestana se teria distinguido como o melhor deles pelo vigor e inteligência. Mas se tomou a resolução de nada escrever devia ter suas razões que não cabe discutir.

Como mencionei D. Pestana, aproveito para dizer que ele varias vezes elogiou D. Mayer como teólogo e professor de filosofia. Disse-me que D. Mayer tinha um método muito interessante para o ensino da sã filosofia: principiava suas lições  pela refutação dos erros de Kant, conduzindo assim seus alunos a compreender bem o realismo moderado de Santo Tomás de Aquino. D. Pestana demonstrou-me igualmente, em várias ocasiões, certa compreensão pela atitude tomada por D. Lefebvre e D. Mayer em 1988. Sem nunca ter dito abertamente que apoiava as consagrações episcopais,  disse-me que D. Lefebvre tinha com razão visto que as tratativas com o cardeal Ratzinger estavam fadadas ao fracasso devido à pressão contrária do episcopado progressista da Europa. E mostrou-me uma carta dirigida ao papa João Paulo II em que lhe dizia que a disposição do motu proprio Ecclesia Dei que pedia aos bispos que liberassem a missa de São Pio V para os católicos tradicionalistas significava na verdade entregá-los às feras.

Desejaria finalizar essas recordações dando meu testemunho sobre a participação de D. Mayer nas consagrações episcopais de Ecône em 1988. Acompanhei de perto o desenrolar dos acontecimentos de então e posso dizer que ele agiu com toda serenidade e convicção de que era a vontade de Deus. Após a consagração episcopal, houve um padre muito estranho e caviloso que o procurou para tentar achacar-lhe uma retratação. D. Mayer o repeliu com toda energia. Como ele mesmo disse, a excomunhão injusta não o deixava indiferente, porque, embora inválida, denotava o estado lamentável da parte humana da Igreja, que, por um lado, congraça no CONIC com as seitas e, por outro, rechaça seus próprios filhos.

Que Deus Nosso Senhor o recompense por sua luta juntamente com D. Lefebvre e D. Pestana, que, também, à sua maneira, conforme lhe permitiram as circunstâncias calamitosas da Igreja pós-conciliar, lutou contra os erros modernos. Três bispos fiéis, devotíssimos de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, que confiaram plenamente nas promessas de Maria Santíssima: Por fim, meu Imaculado coração triunfará.

Anápolis, 19 de abril de 2011.

Quarta-feira santa

 

Beatificação de João Paulo II e Cuba: dilema de consciência para os católicos cubanos

Postado por Admin.Capela em 14/abr/2011 - Sem Comentários

ARMANDO VALLADARES | 14 ABRIL 2011

Não me consta que durante o processo de beatificação deste Pontífice se tenham dado a conhecer publicamente interrogações sobre seu pensamento com relação ao comunismo cubano, pensamento que inclusive parece ir além do campo diplomático e adentrar-se no plano doutrinário, daí a necessidade de consciência de expor, da maneira mais respeitosa e filial possível, as presentes reflexões.

A anunciada beatificação de S.S. João Paulo II, prevista para se realizar no próximo 1º de maio, coloca muitos fiéis católicos cubanos em um dilema de consciência sem precedentes que, por causa de sua fé, da veneração à sua Pátria e do amor por suas famílias se opõem ao comunismo. Com efeito, esses fiéis católicos vêem com perplexidade e com o coração dilacerado tudo aquilo que o referido Pontífice teria feito em algumas circunstâncias, e deixado de fazer em outras, para favorecer direta ou indiretamente o comunismo cubano.

Cito na continuação, resumidamente, alguns exemplos que tive oportunidade de comentar extensamente ao longo dos anos, em diversos artigos sobre a colaboração eclesiástica com o comunismo na ilha-cárcere, e conto antecipadamente com a compreensão dos leitores. Faço-o enquanto fiel católico e enquanto cubano, com todo o respeito possível à Igreja, disposto a ouvir e analisar eventuais explicações de fontes sabidamente autorizadas, que até o momento não são de meu conhecimento, sobre os dolorosos fatos históricos que se concede sucintamente na continuação.

Em 8 de janeiro de 2005, ao receber as cartas credenciais do novo embaixador cubano, João Paulo II pronunciou uma alocução elogiando as “metas” que as “autoridades cubanas” teriam supostamente obtido em matéria de saúde, educação e cultura. Na realidade, trata-se de uma sinistra trilogia que o regime tem utilizado como instrumento, durante mais de meio século, para corromper as consciências de gerações inteiras de cubanos desde sua mais tenra idade, provocando um genocídio espiritual sem precedentes na história da Igreja nas Américas.

Não obstante, João Paulo II, na mesma alocução, insistiu em seus elogios chegando a asseverar que mediante essa trilogia as “autoridades” de Cuba – ou seja, os membros do regime castrista – colocariam “pilares do edifício da paz” e incentivariam o “crescimento harmônico do corpo e do espírito”. Com isso o Pontífice pareceu ignorar que Fidel Castro, Che Guevara e seus sequazes, em nome dessa trilogia, provocaram a destruição e a morte “do corpo e do espírito” de tantas pessoas em tantos países da América Latina, África e Ásia.

O elogio ao comunismo e aos integrantes da ditadura castrista não poderia ter sido maior. Para os cubanos que sentiram e continuam sentindo em sua própria carne a obra destruidora da revolução comunista em sua Pátria, as referidas considerações papais são particularmente dolorosas e, sinceramente, não consigo vislumbrar como justificá-las. Essas considerações, que vão além das mais benévolas fórmulas de cortesia diplomáticas, vistas desde uma perspectiva histórica, alcançam em cheio e até laceram a memória daqueles jovens mártires católicos cubanos que morreram nos paredões de fuzilamento gritando “Viva Cristo Rei! Abaixo o comunismo!”.

Na mesma alocução, uma das mais importantes sobre Cuba em seu longo Pontificado, o reconhecimento de João Paulo II se estendeu a um alegado “espírito de solidariedade” do internacionalismo cubano, que se manifestaria no“envio de pessoal e recursos materiais” a outros povos, por ocasião de “calamidades naturais, conflitos ou pobreza”.

Na realidade, como se acaba de lembrar, longe de refletir um espírito de “solidariedade” cristã, o internacionalismo comunista colocou Cuba no triste papel de exportador de conflitos na América Latina, África e Ásia, com “pessoal e recursos materiais” utilizados, não para solucionar conflitos ou diminuir a pobreza mas para exacerbá-los, suscitando guerrilhas que, por sua vez, contribuíram para provocar sangrentas calamidades piores do que as da natureza. Na realidade, o internacionalismo cubano contribuiu para afundar nações na pior “pobreza” material e espiritual, algo que historicamente resultou diametralmente o contrário de tirá-las dessa triste condição.

Para Cuba comunista, o modelo “solidário” internacionalista teve como uma de suas principais figuras o guerrilheiro argentino-cubano Ernesto Che Guevara, que chegou a afirmar que o “ódio” é um motor capaz de transformar o revolucionário em “uma efetiva, violenta, seletiva e fria máquina de matar”. Por isso, a alusão papal a esse suposto “espírito de solidariedade” do internacionalismo cubano não pode deixar de produzir consternação (cf. A. Valladares,“João Paulo II, Cuba e um dilema de consciência”, Diario Las Américas, Miami, 15 de janeiro de 2005).

Na referida alocução, S.S. João Paulo II não citou Che Guevara, porém já o havia feito em janeiro de 1998, em breves palavras elogiosas e até laudatórias, no avião que o conduzia a Cuba. Em conversação informal com os jornalistas, consultado a respeito de seu pensamento sobre Che Guevara, disse textualmente o referido Pontífice: “Deixemos a Ele, o Senhor nosso, o julgamento sobre seus méritos. Certamente, eu estou convencido de que ele queria servir aos pobres” (Vatican Information Service, “Os jornalistas entrevistam o Papa durante o vôo a Cuba”, Cidade do Vaticano, 21 de janeiro de 1998).

A fonte informativa, a própria agência de notícias da Santa Sé, não podia ser mais oficial, e isso faz com que as palavras do Pontífice causem especial mal-estar. Como uma árvore má poderia gerar bons frutos como, por exemplo, o serviço cristão aos mais pobres e desamparados? (cf. São Mateus, 7,18). Por ventura não foi Guevara um “satânico açoite” – segundo certeira expressão de S.S. Pio XI ao referir-se ao comunismo – para Cuba e para tantos outros países, promovendo revoluções sangrentas que prejudicaram especialmente aos mais pobres, precisamente àqueles a quem o Pontífice afirma que Guevara queria servir? (cf. A. Valladares, “Monsenhor Céspedes: João Paulo II e o Che Guevara”, Diario Las Américas, Miami, 26 de junho de 2008).

Por uma lamentável coincidência, essas declarações elogiosas a Che Guevara foram feitas por João Paulo II, precisamente quando o avião que o levava à Havana passava em frente às costas da Flórida, onde concentra-se o maior número de cubanos desterrados. As referidas declarações resultaram dessa maneira especialmente dilacerantes, do ponto de vista espiritual, para esses cubanos desterrados que não puderam deixar de lembrar que 11 anos antes, por ocasião da visita de João Paulo II a Miami, se sentiram abandonados espiritualmente quando o Pontífice não visitou nessa cidade a tão simbólica Ermida da Caridad del Cobre, não recebeu uma delegação representativa do desterro que lhe solicitou uma audiência, e pareceu não ver as dezenas de milhares de bandeirinhas cubanas, ondeadas por cubanos desterrados que foram saudá-lo nos atos públicos, e que esperaram em vão uma palavra de consolo para si mesmos, para suas famílias e para a sua querida Pátria escravizada.

Os raios, relâmpagos e centelhas que interromperam a mais importante e concorrida dessas celebrações por ocasião da visita de João Paulo II a Miami, contribuíram para formar um marco tragicamente apropriado para interpretar o sentimento de abandono que sentiram essas dezenas de milhares de desterrados cubanos, pelo fato de não ter ouvido uma palavra de consolo do Pontífice ante a tragédia de sua Pátria amada, e ante suas próprias tragédias pessoais e familiares.

Da recepção oferecida ao ditador Castro em Roma, em 1966, e da posterior viagem de João Paulo II a Cuba, em 1998, muito se poderia comentar, e de fato se comentou, do ponto de vista dos enormes dividendos publicitários e diplomáticos obtidos pelo regime de Havana. Opto então por destacar aqui, da viagem a Cuba, alguns aspectos pouco ou nada comentados de suas importantes alocuções. Baseio-me no estudo “Cuba comunista depois da visita papal”, editado em 1998 pela Comissão de Estudos pela Liberdade de Cuba, de Miami.

Em Havana, em uma de suas alocuções, depois de lançar a discutível premissa de um “diálogo fecundo” entre crentes e não-crentes, ou seja, com os comunistas cubanos, João Paulo II fez um chamado a encontrar uma“síntese” cultural pelo fato de que supostamente as partes no processo de “diálogo” teriam “uma finalidade comum”, a de “servir ao homem”.

Com toda a veneração e o respeito devidos, não se compreende como possa ocorrer uma “síntese” entre elementos totalmente antagônicos e incompatíveis como são os princípios da fé católica e os da anti-cultura marxista. Como seria possível uma “síntese” entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas, entre Jesus Cristo de um lado e Karl Marx, Che Guevara e Fidel Castro do outro?

Tampouco é possível compreender a afirmação de João Paulo II de que a Igreja e as “instituições culturais” do sistema comunista cubano podem ter uma “finalidade comum” ao serviço de progresso espiritual dos cubanos, como se a “finalidade” do regime não tivesse sido a de aplicar todos os seus esforços, de maneira metódica, durante quarenta anos, para destruir a “alma cristã”, ou seja, uma “finalidade” que não somente não é comum, senão que é diametralmente oposta.

Outro aspecto do Pontificado de João Paulo II que provocou perplexidade e inquietação em inumeráveis cubanos, foi a série de pedidos de perdão por aquilo que o Pontífice considerou como pecados passados e presentes dos filhos da Igreja, nos quais, entretanto, não foi possível encontrar a mais mínima referência à conivência ideológica e à cumplicidade estratégica de tantos eclesiásticos com o comunismo em Cuba, e também em outros países do mundo, por ação ou omissão, durante décadas (cf. A. Valladares, “O pedido de perdão que não houve: a colaboração eclesiástica com o comunismo”, Diario Las Américas, Miami, 22 d março de 2000).

Nesse sentido, João Paulo II apoiou, durante todo seu longo Pontificado, os colaboracionistas Bispos cubanos, especialmente por ocasião do Encontro Nacional Eclesial Cubano, em 1986. Em mensagem transmitida pelo cardeal Pironio, João Paulo II manifestou seu “merecido reconhecimento” ao extenso documento de trabalho, no qual se estabelecia como meta uma inédita e ousada “síntese vital” comuno-católica, reafirmada no documento final, e nomeou cardeal o arcebispo de Havana, monsenhor Jaime Ortega y Alamino, um dos maiores artífices do processo de aproximação comuno-católico em Cuba.

Nesta relação de exemplos de favorecimento de João Paulo II ao comunismo cubano, direta ou indiretamente, com palavras, obras e omissões, menciono, finalmente, em ordem cronológica, três filiais e reverentes cartas de cubanos desterrados a João Paulo II que, lamentavelmente, ficaram sem resposta, as três assinadas por dezenas de personalidades representativas do desterro cubano. Em 1987, em Miami, por ocasião da visita de João Paulo II a essa cidade: “Santo Padre, liberta Cuba!” (Diario Las Américas, Miami, 7 de agosto de 1987). Em 1998, em Roma:“Os cubanos desterrados apelam a João Paulo II: Santidade, protege-nos da atuação do Cardeal Ortega!” (Diario Las Américas, Miami, 24 de outubro de 1998). E em 1999, também em Roma: “Santo Padre, resgata do esquecimento os mártires cubanos, vítimas do comunismo!” (Diario Las Américas, Miami, 21 de setembro de 1999).

Consta-me que, por ocasião do processo de beatificação de João Paulo II, personalidades católicas manifestaram publicamente sua perplexidade por palavras, obras e omissões de João Paulo II no campo religioso. Porém, não me consta que durante o curso desse processo de beatificação tenham-se estabelecido publicamente interrogações sobre o pensamento deste Pontífice com relação ao comunismo cubano, pensamento que inclusive parece ir além do campo diplomático e adentrar-se no plano doutrinário. Daí a necessidade de consciência de expor, da maneira mais respeitosa e filial possível, as presentes reflexões.

Neste sentido, sinceramente não vislumbro como os católicos cubanos de dentro e fora da ilha, que concordaram com as teses de meus artigos, porém especialmente com as brilhantes análises e comentários de outros compatriotas na mesma linha, possam ver João Paulo II como um exemplo a ser seguido e imitado, por causa do tratamento que deu ao problema do comunismo em nossa Pátria, segundo mostrou-se nos parágrafos anteriores.

Sei que nos processos de beatificação os teólogos esquadrinham os escritos daqueles candidatos a ser beatificados. É possível que esses teólogos tenham analisado os textos de João Paulo II que acabo de citar e de comentar respeitosa e filialmente. Se assim o fizeram, queira Deus que os católicos cubanos possamos tomar conhecimento dessas sábias explicações. De outra maneira, o dilema de consciência não fará senão aumentar, porque, como compreender então que um Pontífice que tanto fez pelo comunismo cubano chegue a ser proclamado Beato da Igreja? Peço e até suplico que os tão delicados ditos e feitos acima citados de S.S. João Paulo II sejam devidamente esclarecidos e explicados. De outra maneira, a beatificação de João Paulo II, anunciada para o próximo 1º de maio, poderá estar indelevelmente marcada pelo sinal da perplexidade, da contradição e da confusão.

Enquanto fiel católico cubano, creio que tenho não somente o direito mas a obrigação de consciência de dar a conhecer estas considerações. Já disse e reitero nesta dramática conjuntura. Tenho um compromisso com aqueles jovens mártires católicos que morreram na sinistra prisão de La Cabaña gritando “Viva Cristo Rei! Abaixo o comunismo!”; com meus amigos assassinados nas prisões; com a luta pela liberdade de minha Pátria; com a História e, acima de tudo, com Deus e a Virgem da Caridad del Cobre, Padroeira de Cuba. A análise da vida e da morte de qualquer ser humano, por extraordinária que tenha podido ser, não deveria apagar, mudar, alterar ou ignorar as conseqüências dos atos que eventualmente praticou.

Armando Valladares, escritor, pintor e poeta. Passou 22 anos nos cárceres políticos de Cuba. É autor do best seller “Contra toda a esperança”, onde narra o horror das prisões castristas. Foi embaixador dos Estados Unidos ante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da ONU sob as administrações Reagan e Bush. Recebeu a Medalha Presidencial do Cidadão e o Superior Award do Departamento de Estado. Escreveu numerosos artigos sobre a lamentável colaboração eclesiástica com o comunismo cubano e sobre a “ostpolitik” vaticana para com Cuba. E-mail: armandovalladares2011@gmail.com

Tradução: Graça Salgueiro

 

Um remédio contra o niilismo: a memória dos heróis

Postado por Admin.Capela em 13/abr/2011 - Sem Comentários

Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

(Louvemos aos varões gloriosos, e aos nossos pais na sua geração. Eclo. 44, 1.)

No momento crítico em que vivemos, quando tudo aquilo que veneramos parece condenado à extinção, recordar e estudar a vida e os exemplos dos grandes combatentes da nossa causa é de grande utilidade. Uma causa que teve tão valorosos paladinos não pode ser uma causa perecível.

Este ano de 2001 comemoramos o vigésimo aniversário do falecimento dos dois grandes bispos, D. Marcel Lefebvre e D. Antonio de Castro Mayer, que lutaram juntos durante o concílio e o pós-concílio contra todos os energúmenos do progressismo. Que dizer desses dois heróicos defensores da ortodoxia? Muita coisa já foi dita com maior ou menor felicidade. Passados vinte anos do desaparecimento de ambos e diante da situação agonizante  da Igreja e da sociedade, creio poder dizer que foram os homens que  melhor compreenderam os desafios da modernidade para a Igeja.  Viram que para a Igreja não há outra saída  em um mundo cada vez mais hostil senão na fidelidade a sua tradição. Quanto mais a Igreja se abre ao mundo moderno e procura ver nele valores apreciáveis, mais ele se torna anticristão e a despreza.

Se Roma tem alguma objeção contra a atitude dos dignos prelados, deveria ao menos agradecer-lhes a sinceridade e recusar como coisa abjeta a adulação daqueles que lhe dão um ósculo de Judas em suas visitas à Santa Sé. De fato, enquanto a maioria dos bispos que divergiam do magistério da Igreja fingia uma comunhão farisaica com o papa ao mesmo tempo que sabotava em suas dioceses as ordens emanadas da Santa Sé, D. Lefebvre e D. Castro Mayer agiam com toda franqueza  manifestando abertamente ao santo padre sua perplexidade ante os rumos da Igreja em flagrante contradição com o que haviam ensinado os papas de antes do Vaticano II.

Comemoramos também o centésimo décimo aniversário da morte do grande escritor Eduardo Prado, falecido tão prematuramente aos 41 anos de idade. Inexplicavelmente esse admirável escritor paulista está esquecido até mesmo pelos católicos da tradição. Devo dizer que é um dos autores que me ajudou muito na juventude a nutrir minha fé e meu amor às tradições nacionais.

Em um Brasil que cada vez mais deixa de ser verdadeiramente brasileiro,  em que a nossa cultura e identidade tão bem retratas em obras de arte como a Primeira Missa de Vitor Meirelles e o Grito do Ipiranga de Pedro Américo parecem coisas alienígenas , Eduardo Prado é um autor que nos ajuda na dura tarefa de reconstruir nossa miserável nação.

Sua figura humana, tão nobre, tão cristã e tão lhana, foi altamente elogiada, por ocasião de sua morte, pelos inúmeros amigos que privaram com ele e puderam beneficiar de sua inteligência superior e de seu coração de ouro. Imortalizado por Eça de Queirós em A cidade e as Serras, Eduardo Paulo da Silva Prado será sempre o espécime do homem católico, fino e patriota, que põe seus talentos a serviço da verdade e da justiça.

Homem profundamente religioso, viu que a proclamação da República em 1889 representava um desastre para a Igreja e a Nação. Não porque o Império tivesse sido um modelo de regime político católico que respeitasse os direitos da Igreja, mas porque  era sucedido por um regimeque seria muito pior em razão do seu laicismo de principio e de seu espírito de ruptura com as nossas tradições históricas. Viu, como poucos então, que o laicismo da república era uma grande falácia porquanto a nova religião do Estado era a ridícula religião da humanidade de Augusto Comte e desancou o sectário Luís Pereira Barreto em memorável polêmica.

Em defesa da monarquia e contra os abusos e arbitrariedades do novo regime escreveu dois livros que ainda se lêem com grande proveito: A ilusão americana Fastos da ditadura militar. A ilusão americana, se peca por se exceder nas críticas aos Estados Unidos na tentativa de desacreditar o sistema republicano, não deixa, entretanto, de demonstrar, com argumentos muito razoáveis, as vantagens e benefícios do regime monárquico. O mais interessante, porém, é que Eduardo Prado mostra que justamente naquele contexto histórico em que as classes operárias eram espezinhadas pela burguesia endinheirada as nações monárquicas, sob o influxo do magistério do papa Leão XIII, eram as mais sensíveis à questão social.

Se essas reflexões de Eduardo Prado hoje parecem anacrônicas, deve-se dizer que elas não esgotam o conteúdo de seus saborosos escritos. Em A ilusão americana, obra apreendida pela polícia do regime republicano, Eduardo Prado faz interessantes observações sobre aqueles que vivem embasbacados com o modelo norte-americano querendo que Brasil o imite. Diz Prado: “A civilização norte-americana pode deslumbrar as naturezas inferiores que não passam da concepção materialística da vida. A civilização não se mede pelo aperfeiçoamento material, mas sim pela elevação moral. O verdadeiro termômetro da civilização de um povo é o respeito  que ele tem pela vida humana e pela liberdade. Ora, os americanos têm pouco respeito pela vida humana.” E em seguida Prado discorre sobre as práticas brutais de linchamento, os assassínios  criminosos, a introdução de tormentos e novos aparelhos de suplício, adotados pelos americanos em contraste com o espírito latino transmitido aos brasileiros. E diz Eduardo Prado que as colônias americanas formadas no Brasil após a guerra da secessão se distinguiam pela ferocidade e perversidade com que atormentavam os escravos.

Essas considerações de Eduardo Prado me parecem de valor atual porque hoje muitos brasileiros estão deslumbrados com o crescimento econômico do nosso país, esquecidos de que a grandeza de uma nação não se resume ao PIB. Que diria ele hoje daqueles que estão alvoroçados com o crescimento da China e se alegram com o estreitamento das relações entre o Brasil e aquele país submetido a  um regime tão desumano? Que diria ele do Brasil petista que quer legalizar o aborto e outros atentados contra a vida e a família? Que falta nos fazem homens como ele!

Eduardo Prado foi também um grande pesquisador da nossa história. Escreveu coisas notáveis sobre a contribuição das missões jesuíticas para a formação da nacionalidade. Suas páginas em que faz um contraste entre Santo Inácio de Loyola e César Borgia revelam um homem de sólida vida espiritual para não dizer mística.

Seus escritos sobre a história do Brasil e seus vultos são uma fonte riquíssima de informações. Seu libelo contra a traição de Quintino Bocayuva –  o republicano que entregou à Argentina um vasto território que nos pertencia e foi homenageado com seu nome dado a uma importante rua de Buenos Aires – bem como suas crônicas sobre o Barão do Rio Branco, são um bálsamo para a alma do brasileiro deprimido de nossos dias diante do triunfo da súcia esquerdista que se apoderou do Brasil.

Pode-se dizer também que Eduardo Prado foi   um pensador da tradição, tendo  analisado, por exemplo, a importância do amor ao passado para a formação moral do homem e das nações. Disse ele : “O amor do passado é um sentimento atribuído pela opinião vulgar somente à senilidade queixosa e enfadonha. Eis aí uma opinião que envolve um erro, e, como todo erro, também uma injustiça, e isto quer se trate dos indivíduos, quer se trate das nações. Desprezar o passado (e a mais forte expressão do desprezo por alguma coisa é não querer conhecê-la) – denota no indivíduo degradação intelectual. E, num povo, esse sentir demonstra que esse povo está em estado infantil de selvageria, porque, diz Cícero, ignorar o sucedido antes de nós é a nossa condenação a sermos crianças perpetuamente. E de que vale, pergunta ainda o mesmo Cícero, a vida do homem se a lembrança dos fatos anteriores não ligar o presente ao passado? (…) Certamente o homem deve viver no seu tempo, mas a tendência  para a contemplação do passado é um dom nobilíssimo da sua alma. Quem se aplica ao presente é movido, quase sempre, pelo interesse. Quem trata do passado é desinteressado, e só o desinteresse enobrece, eleva e dignifica as aspirações dos homens.”

Grande Eduardo Prado! Disse tudo em poucas palavras! Quantas pessoas, hoje, não acham que se a Igreja restaurasse a sua tradição morreria à míngua?! Não têm outro argumento contra a tradição senão o interesse, e o interesse material!

No pandemônio dos nossos dias, quando os homens, dominados por um utilitarismo, vivem na ânsia do imediatismo, desprezam os bens mais altos do espírito e descuidam do dever de preservar para as gerações futuras o tesouro da tradição, a evocação de figuras como D. Lefebvre, D. Castro Mayer e Eduardo Prado nos chama à responsabilidade e nos anima à luta por uma causa que jamais perecerá porque é a causa da civilização. Porque é a causa de Deus.

Anápolis, 13 de abril de 2011

Santo Hermenegildo Mártir