Arquivo de agosto de 2011

A política de antanho

Postado por Admin.Capela em 09/ago/2011 - Sem Comentários

Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

Há uns vintes anos foram publicados em São Paulo dois livros interessantíssimos, que se completam, sobre a história do Brasil, mais precisamente, sobre a República Velha, período histórico que se estende de 1889 a 1930. Têm os títulos Os subversivos da República, de Maria de Lourdes Mônaco Janotti, e PRP – O Partido Republicano Paulista, de José Ênio Casalecchi.

Os subversivos da República conta com pormenores e vasta documentação a violenta repressão imposta pelos primeiros governos do regime republicano (até o de Campos Salles) aos monarquistas que pretendiam organizar o movimento restaurador com as mesmas liberdades e garantias que a monarquia constitucional proporcionara à propaganda republicana. Informa a historiadora Maria de Lourdes Janotti que o governo republicano temia muito os monarquistas restauradores e atribuía-lhes todos os males e revezes por que passava a república recém-proclamada. Conta a autora o episódio soez do fechamento do Centro Monarquista de São Paulo e da dissolução de uma reunião política em casa do monarquista Augusto de Queiroz (arbitrariedades perpetradas pelo governo de Campos Salles, quando presidente do Estado, ao arrepio da Constituição Federal que assegurava os direitos de livre manifestação de pensamento e reunião). Em favor dos restauradores impetrou, o grande jurista João Mendes de Almeida, ordem de habeas corpus, denegada pelo Supremo Tribunal Federal. Outro fato narrado pela historiadora, e pouco conhecido, é o levante monarquista de 1902, quando, em muitas cidades do interior paulista, os fazendeiros descontentes com a política econômica de Campos Salles se rebelaram contra o governo. Os revoltosos chegaram a tomar o poder em algumas cidades, depuseram o delegado de polícia de Ribeirãozinho (Taquaritinga) e o prefeito de Pinhal, instaurando aí um governo provisório; assumiram o controle da Estrada de Ferro Araraquarense, e, supondo que “os subversivos” mancomunados de Jahu tivessem deflagrado o motim com sucesso, enviaram ao líder dessa cidade um telegrama de congratulações. Mas a revolução monarquista de 1902 – sem o auxílio pecuniário que os restauradores tinham pedido  à Princesa Isabel obtivesse na Europa e que ela sempre se recusou a atender, dizendo que seu pai não concordaria com derramamento de sangue pela causa da restauração –acabou fracassando quando o governo embarcou tropas para a hinterlândia a fim de sufocá-la.

Maria de Lourdes Janotti reproduz em seu livro as palavras escritas por Joaquim Nabuco em carta de 7 de dezembro de 1889 ao Barão do Rio Branco: “A Federação teria ou não salvo a monarquia? Agora pode-se ver que sim. Preferiram porém os senhores Ouro Preto e Cândido de Oliveira confiar na guarda nacional e nos empréstimos à lavoura”. De fato, como bem mostra José Ênio Casalecchi em sua obra O Partido Republicano Paulista, o ideário republicano, no tempo da propaganda, embasava-se principalmente na aspiração federalista dos paulistas. São Paulo, em 1.887, era uma província próspera, com uma lavoura cafeeira florescente e com 2.000 km. de estradas de ferro cortando seu interior. Entretanto, obstava o seu progresso a centralização administrativa do Império, e os fazendeiros paulistas, que constituíam o partido republicano mais forte, julgavam impossível realizar a federação sob o regime monárquico. Cifrava-se praticamente nisto a crítica da propaganda republicana ao Império. De modo que a reforma político-administrativa do Visconde de Ouro Preto, último gabinete da monarquia parlamentar, prevendo a federalização do Império unitário, retirava do republicanismo, que preconizava a autonomia das províncias, seu lema mais importante.

Mas a história foi outra. Deodoro desfechou o golpe baixo de 15 de novembro e com ele a ameaça de estabelecer uma ditadura militar permanente. Contudo, graças ao valor dos paulistas agrupados no PRP, venceram os civis com a bandeira da liberdade econômica e da descentralização. O povo paulista pôde, então, sem o estorvo do governo central, sem a Brasília de então, levar a todo o interior o progresso e a riqueza gerados pela cultura cafeeira. O historiador José Ênio Casalecchi fornece dados elucidativos. Diz ele que, em 1892, o Estado de São Paulo contava com 145 municípios e 205 distritos, passando para 259 municípios e 522 distritos  em 1930; as propriedades agrícolas passaram de 56.921, em 1904, a 163.765, em 1930, contando com 415.476 e 907.000 trabalhadores agrícolas, respectivamente; as fábricas passaram de 326 com 24.186 operários, em 1907 a 5.748 com 147.370 operários, em 1931; os trilhos ferroviários cresceram de 1.212 km. para 7.099 km. entre 1.880 e 1.930; os surtos epidêmicos encerraram-se em 1.904. Infelizmente, não acompanhou esse progresso material fabuloso a educação popular: em 1920, observa o autor, o analfabetismo, apesar da retórica perrepista, atingia 70% da população. No entanto, mesmo assim, é preciso reconhecer que é da República Velha que herdamos os sólidos grupos escolares e as escolas normais, hoje desparecidas, que formavam boas professoras e propiciavam a largas faixas da população uma boa instrução primária.

Nenhum dos autores analisa o período histórico sob o aspecto religioso, tão importante no desenvolvimento das instituições políticas também. O Brasil, sob o império, tinha pouquíssimas dioceses, cujos titulares estavam ressentidos com o regime por causa da famosa “Questão Religiosa”, em torno da maçonaria e dos bispos d. Vital e D. Macedo Costa. Certamente, a falta de apoio da hierarquia ao Império, embora o catolicismo fosse a religião oficial do Estado, contribuiu para fragilidade do regime monárquico e a consolidação da república. Sob o novo regime, que adotava o falso princípio do Estado laico, a Igreja pôde multiplicar o número de dioceses e ter um florescimento esplêndido. Tivesse a monarquia tido outra atitude diante da Igreja, contribuindo para a criação de dioceses por todo o interior do país regidas por bispos leais ao regime, provavelmente a história teria sido diferente.

Mas é incontestável que a república, controlada pelo PRP, desenvolveu um regime de prosperidade e de ampla liberdade à iniciativa privada, o que levou Washington Luís a dizer que “o lavrador de hoje é o colono de ontem, como o capitalista de agora é operário de ainda agora.”

Sem dúvida, ainda no tempo do PRP um  regime de eleições sujas como as de agora (embora a sujeira moderna seja de outra natureza), mas de administração limpa, como não há hoje.

A contradição que se estabeleceu durante a República Velha, como notou o autor de O Partido Republicano Paulista, foi entre o pensamento liberal das elites políticas e a realidade social. A soberania popular e o sufrágio universal individualista, ainda que com a exclusão das mulheres, (E a “república dos coronéis” foi uma época pródiga em eleições diretas para todos os cargos políticos) chocavam-se com a realidade social: uma sociedade orgânica e rural, onde a imensa maioria da população vivia alheia às preocupações de ordem política. Daí as fraudes, como o “bico de pena”, que marcavam os pleitos de então. Além disso, o pensamento liberal conservador foi causa de uma grande injustiça, que concorreria tanto para a crise 1.930 como para o trabalhismo getulista. Durante a República Velha não houve um representante sequer do trabalho nas casas legislativas, devido à inexistência de uma câmara corporativa. Com o crescimento, na década de vinte, da classe trabalhadora urbana e o surgimento de novas forças sociais, aliado às dissidências (Partido da Mocidade e Partido Democrático), o PRP começa a entrar em colapso. Mas, em lugar da justa e legitima representação política, a revolução de 1930, que pôs fim ao período de liderança de São Paulo dentro da federação, trouxe, com Getúlio, a mentalidade estatizante dos militares e o populismo, apesar do voto secreto.

Lendo esses livros, chegamos à conclusão de que o Brasil, no plano da sua constituição política, é um aborto. Estamos à espera do milagre de uma ressurreição.

 

O culto dos Santos, de Nossa Senhora e das imagens sagradas

Postado por Admin.Capela em 07/ago/2011 - Sem Comentários

João Carlos Cabral Mendonça

 

O culto dos santos

A veneração dos santos, segundo a doutrina católica, tem por fim a glorificação de Deus, “admirável nos seus santos” (Salmo 67, 36), único Santo por natureza, ao qual e somente ao qual se deve adorar como ao Criador e Senhor supremo de todas as coisas. Jesus Cristo, Homem-Deus, é o único mediador necessário de Redenção. Os santos são mediadores de intercessão, em si dispensáveis.

Afinal, quem são os santos? São aqueles que, por suas virtudes, se tornaram agradáveis a Deus, amados e venerados pelos homens e intercessores deste junto ao Altíssimo. Desde Abel até São João Batista – limitemo-nos por ora ao Antigo Testamento – patriarcas, juízes, reis, profetas, formam uma gloriosa plêiade, enaltecida pelos contemporâneos e pelos pósteros. É só ler, a respeito, o livro da Sabedoria (capítulo X) e a epistola de São Paulo aos hebreus (cap. XI). Sobre o poder de intercessão dos santos, consideremos apenas duas passagens do Antigo Testamento, uma referente a Abraão e outra a Moisés. Quanto ao primeiro, disse Deus a Abimelec, rei de Gerara, após ameaçá-lo de morte, por ter raptado Sara: “ele (Abraão) é profeta, e rogará por ti e tu viverás” (Gen. XX, 7). Nota-se que Deus faz depender da oração do grande patriarca a vida de Abimelec, ao qual poderia tê-la concedido diretamente.

Contudo, mais admirável ainda é o exemplo de Moisés. Disse-lhe Deus: “Deixa-me a fim de que o meu furor se acenda contra eles e que eu os extermine e eu te farei chefe de uma grande nação.” (Ex. XXXII, 10). Moises persistiu em rezar pelo povo prevaricador e Deus se deixou aplacar. A onipotência divina, por assim dizer, sujeitou-se a Moisés.

Na Nova Aliança, com o aparecimento do único mediador, Jesus Cristo, nem por isso acabou a intercessão do santos, fundada necessariamente na d’Ele. Nenhuma graça é dada aos homens a não ser por meio do Redentor tanto no Antigo Testamento, em previsão dos seus infinitos méritos, como no Novo. Ora, depois que o Espírito Santo, autor de toda santidade, foi dado à Igreja, multiplicaram-se os santos. Nosso Senhor atribui a si a perseguição feita aos fieis, falando a Saulo: Eu sou Jesus a quem tu persegues” (Atos IX, 5).

Os santos recebem no céu os que fazem bom uso das riquezas (S. Lucas, XVI, 9), têm poder sobre as nações (Apoc. II, 26), regê-las-ão com vara de ferro, participando assim da soberania de Cristo. Eles constituem também modelos a ser imitados, conforme diz São Paulo, com toda humildade: “Sede meus imitadores como eu sou de Cristo” (I Cor. IV, 16).

São inúmeras as inscrições e epitáfios que atestam o culto dos santos nos primeiros séculos do Cristianismo. De mártires, por exemplo: 1) “Ático, dorme em paz, seguro da tua salvação e pede solícito por nossos pecados”(Museu Capitolino, apud Lúcio Navarro, “A legítima Interpretação da Bíblia”, p. 542); 2) “Mártires santos, bons, benditos, ajudai a Ciríaco (mosaico no cemitério de São Pânfilo, apud L. Navarro ibidem). Agora o epitáfio de uma criancinha inocente: “Pede por teus pais, Matronata Matrona. Ela viveu dois anos, cinqüenta e dois dias (Museu de Latrão, ibidem).

Isto também dá a entender, ao contrário do que dizem muitos hereges, que os santos sabem o que se passa na terra, e gozam da glória celeste, quanto à alma, uma vez que o corpo só será glorificado após a ressurreição.

 

O culto da Santíssima Virgem

Tudo o que a respeito dos santos ensina a Igreja vale com maior razão em se tratando da Virgem Maria. Mais ainda: ao passo que eles são mediadores acidentais, Nossa Senhora é, por disposição divina, medianeira indispensável junto a seu Filho Jesus Cristo. Como assim? Remontando aos primórdios da humanidade encontramos, ao lado do primeiro homem, uma mulher, que Deus lhe deu como companheira. Infelizmente, esta o induziu ao pecado que acarretou a desgraça para ambos e para os seus descendentes. Na Redenção quis Deus associar também uma mulher ao novo Adão, Jesus Cristo, o qual, ao contrário do primeiro, teve uma mãe virgem, cheia de graça, bendita entre as mulheres. O pouco que os Evangelhos d’Ela dizem tem profunda significação e fundamenta toda a teologia marial.

O papel da Santíssima Virgem é levar Cristo aos homens, e estes a Cristo. Basta abrir os Evangelhos: ao aceitar ser a Mãe do Redentor foi logo levar o Verbo Divino, recém encarnado, à sua prima Santa Isabel e ao Precursor, o qual exultou de júbilo ainda no seio materno à saudação de Maria. Nas bodas de Caná é Ela também que obtém, apesar da aparente recusa de seu Divino Filho, o primeiro milagre, em virtude do qual os discípulos creram nele (S. João II, 1-11).

O fato de Nosso Senhor, quando uma mulher lhe enalteceu a mãe, ter afirmado serem “antes bem-aventurados os que ouviam a palavra de Deus e a punham em prática” (S. Lucas XI, 27-29) e declarado, noutro lugar, que estes tais eram “sua mãe e seus irmãos” (S. Lucas, VIII, 21), longe de depreciar sua Mãe Santíssima, a louva de modo mais profundo. Com efeito, quem ouviu com melhor disposição a palavra divina, e a pôs em prática mais perfeitamente do que a Santíssima Virgem? “Eis aqui a escrava do Senhor: faça-se em mim segundo a tua palavra” (S. Lucas, I, 38) foi a sua resposta ao arcanjo Gabriel. E Nossa Senhora sabia quanto sofrimento, que cruz iria constituir para si o fato de ser mãe de um Messias rejeitado e crucificado!

Mais um trecho de São Lucas sobre a Visitação: “Isabel ficou cheia do Espírito Santo e exclamou em alta voz e disse: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto de teu ventre. E donde a mim a dita que a mãe do meu Senhor venha ter comigo? (Idem, I, 41-43). Note-se que Santa Isabel disse isto “cheia do Espírito Santo”. O Espírito de Deus impele-a a louvar Maria e a proclamá-la Mãe de Deus, pois “Senhor” era o nome que os israelitas, por respeito, davam a Deus. Quem a insulta, despreza ou minimiza, não é movido pelo Espírito de Deus, mas pelo espírito do mal e de mentira, por Satanás.

É a Nosso Senhor que se ofende ao rebaixar sua Mãe Santíssima. O bom filho leva mais em conta os louvores ou ultrajes à sua mãe do que os feitos a si mesmo, e Jesus é o melhor dos filhos.

A Santíssima Virgem é a obra prima de Deus, que a fez digna Mãe de seu Unigênito. O elogio a uma obra prima redunda na glória do artista que a executou.
Afinal, qual a razão mais profunda do menosprezo e da antipatia que os protestantes votam à Mãe de Deus, não fazendo assim parte das gerações que a proclamam bem-aventurada, como Ela mesma disse no Magnificat?

Muito simples: na terra, em última análise, há somente duas classes de pessoas: a posteridade da serpente, símbolo de Satã, e a posteridade da Mulher bendita (Gen. III, 14), a Virgem Santíssima, cujo primogênito é Nosso Senhor, “primogênito entre muitos irmãos” (Rom. VIII, 29) membros do seu corpo místico que é a Igreja (Col. I, 18). Os protestantes fazem parte da posteridade da serpente.

 

Culto das imagens

A idolatria foi, é, e será sempre um gravíssimo pecado contra o primeiro mandamento, porque consiste em prestar culto de adoração a uma criatura tomando-a por Deus, criador e senhor de todas as coisas. Apontando para o bezerro de ouro disseram os israelitas: “Estes são os teus deuses, ó Israel, que te tiraram da terra do Egito” (Ex. XXXII, 4). Os hebreus, com isto, cometeram um ato de idolatria.

Ora o culto das imagens, tal como sempre se praticava e pratica na Igreja não é absolutamente idolátrico; é relativo, isto é refere-se às pessoas que elas representam;  os católicos não adoram nem as imagens nem os que elas representam, isto é, Nossa Senhora ou os santos.

Medeia um abismo entre o culto das imagens e a idolatria. Deus que a condenou tão severa e repetidamente mandou esculpir imagens de querubins na Arca da Aliança (Ex. XXV, 22), no templo de Jerusalém (III Reis, VII, 29). Mais: quando os israelitas foram castigados pelas mordeduras das serpentes, em vez de curá-los diretamente ou por meio de Moisés, Deus serviu-se duma serpente de bronze, da imagem de um ser irracional!

Objetar-se-á que, séculos depois, o rei Ezequias mandou despedaçá-la, porque estava sendo objeto de culto idolátrico, e chamou-lhe Noestan, isto é, simples objeto de bronze (IV Reis, XVIII, 4). Com toda razão; em si, materialmente, ela não passava disto, e o piedoso rei agiu muito bem. Estava-se no século VII antes de Cristo;  o povo, cercado de nações idólatras, caía repetidamente no culto dos ídolos. Era o tempo em que Isaias descrevia assim o idólatra: “Fez para si um ídolo, diante do qual se prostra e adora, e lhe roga, dizendo: Livra-me por que és meu deus” (Is. XL, 17). E Jeremias: “…dizem a um pau: Tu és meu pai, e a uma pedra: Tu me geraste (Jer. II, 27). Ora, nenhum católico, por mais ignorante e rude que seja, mesmo aquele que impropriamente denomina a imagem pelo santo que ela representa, se dirige à mesma naqueles termos; não a confunde com o santo nem muito menos com Deus. Sobre a serpente de metal deve-se notar  o seguinte: apesar do que Ezequias fez, ela não perdeu o seu importantíssimo valor simbólico: aquele objeto de bronze era figura de Nosso Senhor  crucificado, segundo as palavras d’Ele próprio a Nicodemus (São João, III, 14-15).

Durante os primeiros séculos do Cristianismo, quando os fieis, vivendo entre idólatras, corriam perigo, se não igual ao menos semelhante ao dos israelitas antigos, o culto das imagens é atestado por Tertuliano (De pud, c. v.), pelo sínodo de Elvira (300, c. 36) e pelas próprias catacumbas, cheias de pinturas. Derrotado o paganismo, com o triunfo da Igreja, o culto das imagens tomou grande impulso. Os iconoclastas, literalmente, quebradores das imagens que se opunham ao seu culto, foram condenados pelo 2º concílio de Nicéia (787), o qual afirmava ser a veneração das imagens baseada na tradição católica.

O culto das imagens vai ao encontro das exigências da natureza humana que precisa de símbolos materiais para elevar-se às realidades espirituais. Quantas elevações de alma, quantos pensamentos salutares, quantas conversões não tiveram origem na contemplação de imagens, quadros e santinhos! Deus que se dignou fazer, ao longo dos séculos, tantos milagres através das santas imagens – citemos apenas a de Nossa Senhora de Fátima e de Nosso Senhor Crucificado de Porto  das Caixas – reprovaria um culto que redunda em tanto bem das almas e, por conseguinte, da sua glória?

Os protestantes, para serem coerentes consigo mesmos, deveriam condenar também as estátuas dos heróis e homens ilustres aos quais se prestam homenagens com discursos e flores.

Para terminar um conselho: derrubem, quebrem, esfacelem as estátuas de Lutero, Calvino, Zwinglio e de outros heresiarcas que tanto mal fizeram à humanidade.

 

As quatro imperatrizes

Postado por Admin.Capela em 07/ago/2011 - Sem Comentários

Carlos de Laet

Obra histórica, tão necessária como interessante.
Perfis femininos e inapagáveis

Muito curioso e de atraente novidade o livro relativo às quatro imperatrizes que ligaram sua atividade intelectual e moral aos destinos da nossa pátria na quadra monárquica, em geral muito mal apreciada pelos homens do regímen atual.

Não vale negar o influxo, muitas vezes indireto mas nem por isso menos eficaz, que sobre sucessos políticos têm exercido mulheres de alto valor, consortes ou companheiras daqueles que ostensivamente ocupam os tronos. Neste caso se acham as quatro imperatrizes brasileiras.

Discriminar a sua influência, estudar-lhes os feitos que muitas vezes não atingem as raias da publicidade oficial, atribuir-lhes em suma o quinhão de benemerência e de gratidão pública a que têm direito — eis uma tarefa e a mais importante que se pode propor quem se ocupe de História. Faça-se a projeção luminosa da verdade sobre a discreta penumbra, onde se recatam essas entidades adoravelmente modestas. Talo objeto do livro de que falo.

 

A primeira esposa do fundador da Monarquia

Não há muitos dias o Instituto Histórico e Geográfico, secundando o aplauso que desde alguns anos se iniciara em torno do túmulo da augusta mãe de Pedro Segundo, celebrou, com cerimônias religiosas e sessão cívica, o primeiro centenário da morte da Imperatriz Leopoldina.

Altos dignitários republicanos tomaram parte nessa justa comemoração, e, se não foram à igreja, porque a República não vai à missa, pelo menos não desajudaram o civismo nacional e já se mostraram, como aliás se tinha feito na celebração do centenário do último Imperador, nobremente isentos daquela paixão partidária que de inesquecível ridículo outrora cobria os furores jacobinos.

Bem estudados à luz de testemunhos e documentos parecem agora estar o caráter e o papel político da primeira Imperatriz: e de tudo ressalta uma personagem tão simpática pelos seus infortúnios domésticos, quanto pela vigorosa intervenção com que a esposa de Pedro Primeiro, valendo-se das suas relações com príncipes e diplomatas do Velho Mundo, ativamente cooperou na independência do Brasil. Escrever sobre esse ato inicial da nossa vida política sem aludir a essa colaboração seria hoje impossível, pois equivalera a despencar dos nossos anais algumas de suas mais importantes páginas.

Consorte inditosa de um soberano cavalheiroso, bravo até à temeridade, generoso mas desgraçadamente propenso às paixões que o tornavam marido infiel, Dona Leopoldina tragou, resignada, até às fezes, o cálice da sua amargura, e contentou-se de ser a mãe carinhosa dos filhos, entre os quais estava o Brasil, que ela ajudara a criar e que, em parte lhe devendo a sua vida nacional, agora cobre de flores o túmulo da mãe bem-querida. [1]

 

D. Amélia, segunda esposa de Pedro Primeiro

Esta, ainda que menos brilhante que as demais figuras, é também digna da respeitosa atenção dos historiadores. Conhecidos os excessos da ligação amorosa entre o Imperador e a famosa Marquesa de Santos, D. Amélia, pedida em casamento pelo monarca viúvo, estabeleceu a condição do afastamento da poderosa favorita, ao que logo aquiesceu, nem podia deixar de fazê-Ia, o namorado soberano.

Em contraste com a sua antecessora no trono brasileiro, D. Amélía era formosíssima; e física e moralmente empolgou o marido, que a idolatrava… Mas quais os méritos que especialmente a indigitam à gratidão dos brasileiros? Não é difícil descobrí-Ios.

Sua memória nos deve ser grata. Muito a fizemos sofrer. Sua realeza começou já no declínío da popularidade do Imperador. A este negara o Poder Legislativo meios e recursos para combater irrequietas aspirações nas regiões meridionais do Império. O ciúme entre brasileiros e portugueses não esquecia a procedência lusitana do Chefe da Nação. Era um trono já vacilante e que não muito depois tinha de vir abaixo, sacudido pelo terremoto do sete de abril. No diadema de D. Amélia havia mais espinhos do que nas rosas com que a cingira o amor do noivo, criando uma ordem honorífica no Brasil.

Durante alguns anos tive ensejo de conversar com dístintíssima anciã, D. Maria Antônía, esposa que foi do senador Luís Carlos da Fonseca e avó do ilustre engenheiro ultimamente eleito membro da nossa Academia de Letras. [2] Foi essa nobre senhora a aia de Pedra Segundo, e, assim, privando com a Família Imperial, de perto conhecia muitos fatos íntimos ocorridos no Paço.

— Nos últimos tempos que precederam a revolução, referiu-me D. Maria Antônía, a vida de D. Amélia foi uma série de sustos e sobressaltos. A todo momento tremia pela vida do esposo, que, intrépido, afrontava malquerenças e ameaças. Muitas vezes o anseio de D. Amélía a levava a sair do Paço, mesmo em cabelo, e descer a ladeira da Quinta da Boa Vista para antecipar de alguns momentos a segurança de que o marido lhe voltava incólume. Sofreu muito e, apesar de tudo, sempre amou a terra onde tanto sofrera.

Madrasta, ou antes segunda mãe extremosa, D. Amélia consagrava imensa afeição aos filhos de Pedro I, e notadamente àquele que, durante mais de meio século, foi a esperança e depois a maior glória da Nação Brasileira. A carta em que D. Amélía, em 1831, se despediu de Pedro Segundo, que então só contava cinco anos de idade, é um documento aonde se transvasam a mais fina sensibilidade e a mais comovente aflição na desgraça em que a mulher padecia por ser Imperatriz.

Suficientes não serão esses títulos para a reverência e gratidão nos corações bem formados? [3]

 

Terceira e quarta imperatrizes do Brasil

A terceira foi D. Teresa Crístína Maria, filha de um rei das Duas Sicílias e que, por singular destino, viu tombar o trono de seus maiores e assistiu aos pavorosos sucessos que a deportaram e baniram quando já começara o declínio da existência. Quem traçar esta palavra — Bondade — terá feito o melhor elogio da Mãe dos Brasileiros: bondade com que despartia os noventa e seis contos do seu subsídio pela inúmera legião dos necessitados; bondade que se desentranhava em conselhos e discretas intervenções para normalizar conflitos de família; bondade que a fazia colocar o Brasil acima da pátria italiana e que a induziu a beijar, no ato da sua partida, essa terra brasileira, donde violentos a expeliam os vencedores do momento…

E a quarta imperatriz? Porventura chegou Dona Isabel a ocupar o trono imperial? Verdade é que nunca nele se assentou com autoridade majestática; não esqueçamos, porém, que duas vezes, como Princesa Regente, logrou prender o seu nome às duas fulgurantes manifestações que, redimindo uma raça, abriram ao nosso Brasil uma quadra auspiciosa, posto que interrompida de tormentosos sucessos. Aí, no tracejo dessa inigualável figura histórica, preciso se faz não esquecer também a auréola de santidade, que talvez um dia a coloque sobre os altares católicos e que já lhe ia valendo as suspeitas da irreligião.

 

O autor do livro das Imperatrizes

Ele ainda não está escrito, o livro a que venho aludindo. Entre os poucos que podem e devem escrevê-Io, três ilustres homens de letras quero aqui designar: — Oliveira Lima, que já com brilho elevou a boa fama desse grande homem que foi D. João Sexto; Afonso Celso, que em páginas imorredouras esculpiu o vulto do Imperador no exílio; e Taunay, filho do preclaríssimo Visconde, e em cujo livro sobre os varões da Independência vejo a revelação do talento e da probidade, índispensáveís predicados do verdadeiro historiador. Assim queira algum deles aceitar a honrosa incumbência.

(O Jornal, 23-12-1926.)

 


[1] Desde 1954, os despojos de D. Leopoldina foram transferidos para a Capela Imperial do Monumento da Independência, no Ipiranga, São Paulo, onde repousam ao lado dos de D. Pedro I, para ali trasladados em 1972.

[2] O poeta Luís Carlos, eleito em 20-5-1926, na vaga de Alberto Faria.

[3] Também os restos mortais de D. Amélía foram trasladados, em 1982, para a Capela Imperial do Monumento da Inpendência, no Ipiranga, São Paulo.

 

Proust e as lembranças involuntárias

Postado por Admin.Capela em 06/ago/2011 - Sem Comentários

Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

Um dos gêneros literários mais belos e agradáveis é a memorialística. É um prazer sentir-se transportado, através de um livro, ao passado que vai sendo redescoberto com arte pelo autor que viveu os fatos narrados. É como se deixássemos o presente e viajássemos pelo tempo. No entanto, o ofício de garimpar reminiscências pode tornar-se cacete e enfadonho tanto para quem escreve memórias quanto para quem as lê, quando o memorialista se esforça por ir, passo a passo ou cronologicamente, recordando os tempos idos e escrevendo de maneira automática suas lembranças.

Por isso, o grande recurso literário de que se valeram os maiores memorialistas foi justamente utilizar em alto grau as associações de idéias, “as explosões” da memória e as lembranças involuntárias ou espontâneas, em vez de ficarem queimando a pestana para evocar as recordações mais remotas. E o mestre admirável desse estilo foi o francês Marcel Proust, embora antes dele tivesse sido precursor o visconde de Chateaubriand, em Memorias do além túmulo.

Proust, nos sete volumes de Em busca do tempo perdido, rememora toda sua vida passada, partindo sempre de coisas presentes que o conduzem pelo tempo, de maneira que, em poucos minutos, revive sentimentos apagados, reencontra a pessoa que era e estava morta. É o próprio passado que se restaura na alma do romancista e nos é revelado maravilhosamente. Assim, por exemplo, é notável o capítulo de “A prisioneira”, 5º tomo da Recherche, no qual o escritor conta que, estando na biblioteca do palácio dos príncipes de Guermantes, toma em suas mãos um romance de Georges Sand e vê subitamente ressurgir nele o adolescente que era quando ganhou de sua avó um exemplar do mesmo livro. Recapturado, o tempo é revivido, ainda que por um instante, mas, como se sente pela leitura da Recherche, fazendo renascer a pessoa de então.

Como se sabe, Marcel Proust foi um apreciador da alta sociedade remanescente da antiga nobreza. De modo que muitas das lembranças narradas pela série de seus romances são retratos dos salões dourados do faubourg Saint-Germain, das estações balneárias freqüentadas pela aristocracia. Ao mesmo tempo, entremeados a essas lembranças, são dissecados os amores, paixões e tédios vividos pelo autor ou observados em seus amigos.

Entretanto, o aspecto mais admirável da Recherche é a introspecção da alma ou daquilo a que Proust chama “intermitências do coração”. Ele demonstra a fugacidade do tempo e a fragilidade das coisas de tal maneira que a vida e a condição humanas nos parecem desesperantes e condenadas a uma enlouquecedora volubilidade. Não resisto ao prazer de transcrever os trechos seguintes de À sombra das raparigas em flor”, 2º volume da “Recherche”: “Por causa de uma coisa que queremos hoje e amanhã nos será indiferente, negamo-nos a ver outra coisa que agora nada nos diz, mas que havemos de querer mais adiante, e que, se houvéssemos consentido em vê-la, talvez a tivéssemos desejado antes, abreviando assim nossas dores atuais, se bem que na verdade para substituí-las por outras.”

Tal pensamento de Proust expressa muito mais do que diz o adágio: A posse é a morte do desejo. Recorda aquela passagem do segundo livro dos Reis que conta o incesto cometido por Amon contra sua irmã Tamar. Apenas cometido o delito, Amon repele sua irmã pela qual ardia de paixão. Não se trata apenas de uma anomalia psicológica, de uma tara a ser remediada. É preciso ver a realidade em sua dimensão moral. O problema só se explica por aquele ensinamento paulino: a morte é o estipêndio do pecado.

Com efeito, nossos sonhos e veleidades, constituídos de um misto de fantasia e ilusão, quando alimentados pelo homem esquecido de Deus e de seu fim último, subsistem até que tenham aparente realização para em seguida se reduzirem a escombros e amarga decepção.

Em outra página do mesmo volume lê-se: “E esse medo a um futuro em que já não nos seja dado ver e falar aos entes queridos, cujo convívio constitui hoje a nossa mais íntima alegria, ainda aumenta em vez de dissipar-se quando pensamos que, à dor da separação, virá juntar-se outra coisa que atualmente nos parece mais terrível ainda: é que não a sentiremos como uma dor, e nos deixará indiferentes; pois então o nosso eu terá mudado e esqueceremos não só o encanto de nossos pais, de nossa amada, de nossos amigos, mas também o afeto que lhes tínhamos; e esse afeto que hoje constitui parte importantíssima de nosso coração, se desenraizará tão perfeitamente que poderemos folgar com uma vida que agora, só de a imaginar, nos horroriza; será pois uma verdadeira morte de nós mesmos, morte após a qual virá uma ressurreição, mas já de um ser diferente e que não pode inspirar afeto a essas partes do meu antigo eu condenadas à morte.”

Um texto, tão belo e tão claro como este, dispensa qualquer dissertação; provoca-nos apenas a admiração de ver como Proust soube exprimir em poucas palavras a realidade mais profunda da nossa alma. É a realidade que tantas vezes nos choca quando vemos pessoas viúvas em tão breve tempo contraindo segundas núpcias ou separando-se e partindo para segunda união. Pobre humanidade tão instável e inconstante em seus propósitos e sentimentos.  Acrescentaria ainda, à guisa de ilustração da realidade analisada pelo romancista, o que disse Napoleão quando exilado na ilha de Santa Helena: “Jesus Cristo quer o amor dos homens; quer o que é mais difícil de obter, o que um sábio pede em vão a alguns discípulos, um pai a seus filhos, uma esposa a seu esposo, um irmão a seu irmão, em uma palavra, o coração; eis o que Ele quer…Ele o exige, Ele o consegue. Daí concluo a sua divindade.”

Proust oferece-nos assim uma visão nítida da pobreza do amor humano às criaturas mais caras do mundo. Mas o grande romancista infelizmente não conheceu a psicologia religiosa e, por isso, não escreveu as páginas encantadoras (de que seria capaz) sobre o amor sobrenatural de Deus que assegura ao homem uma estabilidade emocional tão necessária para a sua felicidade. Esse amor foi cantado por Dante assim:

“Rege o nosso querer, em paz constante
A caridade, irmão: só desejamos
O que ora temos e não mais avante.”

De qualquer modo, Proust, com seu romance genial, incita o homem a cuidar da sua vida interior para não ser arrastado pelo turbilhão das paixões ao reboque do tempo que passa.