Arquivo de agosto de 2016

Os católicos liberais e a falência do Estado laico

Postado por Admin.Capela em 26/ago/2016 - Sem Comentários

Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

Diante do avanço da legislação anticristã no Brasil, as lideranças  dos diversos grupos religiosos estão em busca de um entendimento para empreender uma reação comum e impedir a aprovação de leis que agridem a consciência moral da imensa maioria da população brasileira. Em princípio, essa atitude poderia compreensível e louvável, contanto que observadas todas as regras da prudência para afastar qualquer perigo de um falso ecumenismo e irenismo.

Mas há uma coisa que merece reparo nessa frente ampla das “religiões” contra as forças maçônicas a serviço do Reino do Anticristo e da Sinagoga de Satanás. É que no embate com o inimigo, quando este defende sua plataforma política contra o Direito Divino e Natural e recusa uma interferência das religiões nos debates em curso no Congresso Nacional argumentando que o Estado brasileiro é laico, os representantes da frente ampla das religiões, principalmente os católicos liberais, saem em defesa do Estado laico dizendo que os verdadeiros inimigos deste são os políticos ateus ou agnósticos que se mostram intolerantes e incapazes de manter um diálogo democrático com seus adversários.

Dizem também os parlamentares da frente ampla das religiões que os seus adversários estão esquecidos de que o Brasil não é um Estado ateu, visto que no preâmbulo da Constituição Federal se diz que os representantes do povo brasileiro promulgam a carta magna sob a proteção de Deus. E argumentam que Estado laico significa que o Estado não sofre uma incidência direta das instituições religiosas em sua organização.

Na minha opinião, toda essa arenga é um paralogismo, se não for, de fato, um sofisma.

Com efeito, a invocação de Deus é anulada pelo princípio da soberania popular consagrado nas constituições de todas as repúblicas modernas nascidas da Revolução Francesa. Deus, nas constituições modernas, não significa nada, ainda mais quando se sabe que, conforme o direito político moderno, o Estado resulta de um contrato social. Soberano é o indivíduo que se põe no lugar de Deus. Não prevalece o princípio de que Deus criou o homem como ser naturalmente social.

Como deputados constituintes, os representantes do povo não declaram que querem organizar o Estado conforme a lei de Deus ou da santa religião. Portanto, a invocação de Deus (ou do Grande Arquiteto) na Constituição Federal não passa de um artifício para selar um compromisso político ou tranquilizar  as consciências que ainda tenham algum sentimento religioso.

Quanto à argumentação de que Estado laico significa apenas que o Estado não sofre incidência direta das instituições religiosas em sua organização, os erros implicados nesta afirmação são mais insidiosos e difíceis de ser compreendidos pelas pessoas mais simples.

Neste ponto, os católicos liberais agem com manifesta má-fé. Porque querem dizer que Estado laico se opõe a Estado teocrático, ou seja, o Estado dominado por uma casta sacerdotal. Isto é falso. O Estado laico (condenado reiteradamente pelo magistério da Igreja e aceito pelo Vaticano II), opõe-se,  na história do ocidente, ao Estado confessional, sempre defendido pela Igreja como o único Estado legítimo, conforme o plano de Deus que criou o homem para viver como membro de duas sociedades perfeitas, distintas, mas em harmonia: a sociedade civil e a sociedade eclesiástica, aquela subordinada a esta, indiretamente, nas questões de interesse para a salvação eterna. Estado confessional não é a mesma coisa que estado teocrático.

Ao contrário, o argumento dos católicos liberais da frente ampla das religiões reduz a Igreja a uma instituição de direito privado que teria direito, como qualquer outra instituição, a fazer-se ouvir no Congresso Nacional. Será que esses católicos liberais não sabem que a lógica do Estado laico é que a religião é assunto privado e  a tal âmbito deve restringir-se e que o Estado só cuida da esfera pública, ou seja, daquilo que é do interesse de todos enquanto membros do Estado laico, não enquanto católicos, evangélicos, judeus, muçulmanos, espíritas etc?

Na verdade, o que falta aos católicos liberais é a honestidade de reconhecer que o Estado laico é uma agressão contra a sociedade civil majoritariamente católica, porque é um ordenamento jurídico, uma estrutura burocrática, que se sobrepõe à sociedade não para servi-la mas para oprimi-la.

Não procede o argumento o argumento de que Estado laico significa dizer que o Estado não manda na Igreja e a Igreja não manda no Estado, mas que tal separação não impede que haja colaboração  e boa convivência entre ambas as esferas.

Acabo de ler um artigo interessantíssimo do The Economist (traduzido pel’O Estado de S. Paulo) a respeito da expansão do Islão sobre a Europa e os vários problemas surgidos. A matéria diz que o Reino da Bélgica (que adota o modelo de Estado laico propugnado pelos católicos liberais) subsidia o culto e o ensino religioso nas escolas públicas e o Islão tem sido beneficiado: mais de metade dos imãs é remunerada pelo governo e metade das crianças belgas opta por aulas do Corão! A França, mais fiel à tradição republicana de um laicismo radical que estabelece uma separação total entre  religião e estado, vê-se agora obrigada, pelas palavras do primeiro-ministro Manuel Valls, a promover o estudo da religião islâmica sob a supervisão da República Francesa, a fim de impedir que entre em seu território uma teologia islâmica incompatível com os “valores” da sociedade secular.

Como se pode ver pela notícia acima, o Estado laico será destruído pelas suas próprias mentiras e irresponsabilidades. A Bélgica promove, suavemente, sua própria islamização; dentro de alguns anos deixará de ser um reino laico ao gosto dos católicos adeptos da Dignitatis Humanae do Vaticano II para transformar-se em república islâmica, talvez teocrática. A França, mais pretensiosa em sua temeridade maçônica, tenta influenciar os estudos teológicos corânicos como o fez com a teologia católica na época da Revolução.

Tudo indica, porém, que a Bélgica e a França, como de resto toda a União Européia, morrerão pela força do veneno que engoliram. Merecido castigo.

Conta-se que o príncipe Filipe Von Hessen fez mais pela causa protestante mais que milhares de livros do doutor Martinho Lutero. Hoje, os católicos da declaração Dignitatis Humanae, os católicos da frente ampla das religiões, fazem muito mais  pela causa secularista do que todos os escritores e panfletários da ideologia do gênero. Fazem mais do que todos os imãs pelo avanço do Crescente sobre toda a antiga cristandade.

Anápolis, 25 de agosto de 2016.

Festa de São Luís Rei de França

De capitulação em capitulação chegamos às diaconisas

Postado por Admin.Capela em 04/ago/2016 - Sem Comentários

Pe. João Batista de A.  Prado Ferraz Costa

Foi anunciada pelo Vaticano há poucos dias a constituição de uma comissão de teólogos e teólogas encarregada de estudar o diaconato feminino na Igreja primitiva. A referida comissão é fruto de um pedido de  um grupo de religiosas ao papa Francisco I, que a instituiu após “muita oração e reflexão” – assim diz a nota da Santa Sé.

De acordo com os melhores estudiosos do assunto, não há nenhuma dúvida de que as diaconisas dos primeiros tempos da Igreja eram mulheres piedosas que se encarregavam de obras de caridade, recebiam uma bênção (com imposição das mãos do bispo) e tal bênção não era absolutamente um sacramento, mas apenas um sacramental.

À luz da tradição constante da Igreja e do magistério dos papas, não procede nenhuma discussão sobre a admissibilidade do sacerdócio feminino na Igreja Católica. Se por desgraça amanhã houver o abuso de uma ordenação de diaconisas, o sacramento da ordem a elas conferido, sobre ser um sacrilégio, será inválido, mas poderá originar uma enorme confusão na Igreja porque já não serão vistas essas reverendas diaconisas como leigas mas como membros do clero e pertencentes à hierarquia eclesiástica. E certamente não se contentarão em ser diaconisas permanentes mas vão pretender galgar os graus mais altos da hierarquia.

Mas como explicar que, a despeito da meridiana clareza sobre essa matéria, ainda assim se pretenda seja “estudada”, na verdade, posta em discussão?

No século passado, quando, sobretudo, entre os heréticos, a reboque do feminismo mundano neopagão, se começou falar em sacerdotisas, Paulo VI disse que a Igreja, com base na sagrada tradição, não se sentia autorizada a instituir o sacerdócio feminino e, em 1994, João Paulo II, por meio da carta apostólica Ordinatio sacerdotalis, concebida em termos muito mais firmes que seu predecessor Paulo VI, parecia encerrar completamente o assunto.

Entretanto, a questão não foi sepultada. Pelo contrário, recrudesceu. Por isso, esforço-me por identificar algumas causas e dar um depoimento que reputo muito esclarecedor.

Se por um lado o papa João Paulo II no referido documento encerrou a questão no plano teológico e afirmou na Familiaris Consortio que o lugar da mulher é em casa cuidando da sua família, por outro lado não favoreceu o surgimento das condições culturais necessárias para que um princípio teológico não ficasse letra morta mas vigorasse efetivamente na Igreja e em todos os ambientes católicos. Explico-me. O papa João Paulo II disse que lamentava ver como a mulher ao longo dos séculos foi humilhada e maltratada. Ora, na sociedade cristã isso jamais ocorreu. Até parece Francisco I pedindo perdão às mulheres e aos gays. Sem dúvida, esse discurso só pode alimentar a erva daninha do feminismo.

Ademais, o papa João Paulo II, promovendo um ecumenismo e um diálogo inter-religioso sem fronteiras, foi um precursor da “cultura do encontro”, tão cara a Francisco I. Esta cultura do encontro tem sérias consequências e implicações. Em primeiro lugar, a meu juízo, opõe-se às ordenanças divinas do Livro Sagrado. Com efeito, diz o Levítico que Deus ordenou ao povo eleito que vivesse isolado, separado dos povos pagãos para que conservasse íntegra a verdadeira religião, não corrompesse a pureza das suas crenças divinas.

Com todas as adaptações que se possam e  devam fazer aos nossos tempos, a prescrição do Levítico é de um valor perene. É realmente impossível querer guardar íntegra a fé cantando, por exemplo, vésperas solenes ecumênicas nas basílicas e catedrais juntamente com diaconisas e sacerdotisas protestantes. Esse ambiente empestado de ecumenismo, irenismo e sincretismo com o tempo levará certissimamente os católicos a sacrificar sua teologia no altar da unidade religiosa universal. A Igreja, ao contrário  da “cultura do encontro”, devia viver isolada como os hebreus viveram isolados na terra de Canaã, para proteger os seus filhos da contaminação dos erros e perigos. Sem essa cautela, a Igreja corre o risco de ser incorporada à República Universal do Grande Arquiteto.

Trata-se de uma observação justíssima de bons historiadores e filósofos da cultura e da religião que nos ensinam que as questões teológicas controvertidas sempre tiveram o seu desenvolvimento e sua solução sob a influência das instituições políticas e dos valores culturais do seu tempo. De modo que nos dias de hoje em que reinam de norte a sul as Hilarys Clinton, as Teresas May, as Ângelas Merkel (para não falar das infames Rousseff e Cristina Kirchner) e a toque de caixa de todo o movimento feminista mundial, será realmente muito difícil a Igreja barrar o sacerdócio feminino se não for capaz de criar as condições culturais que venham a ser uma muralha, uma cidadela em defesa do dogma. Infelizmente, Ratzinger dizia que era necessário abater as muralhas da Igreja! E Francisco I diz que é pontífice para erguer pontes dentro da sua cultura do encontro, que todos já bem conhecemos.

A outra causa do ressurgimento da questão do sacerdócio feminino é desgraçadamente a timidez dos bons, o espírito de capitulação diante de qualquer obstáculo. Posso ilustrar este ponto com uma história verídica.

Disse-me um padre (da minha inteira confiança) que por volta de 1998 um dos melhores bispos do mundo, tido como um dos mais conservadores, adoeceu e pediu-lhe que o substituísse em um congresso teológico dando uma palestra sobre os sacramentos e a família. No congresso havia leigos, religiosos e religiosas de várias partes do País. Terminada a palestra, no final da tarde, o padre foi visitar o bispo e informá-lo de como se tinham passado as coisas. E disse-lhe: “Sr. bispo, tive oportunidade de explanar a carta Ordinatio sacerdotalis”. Para surpresa e decepção do padre, o bispo recebeu a informação com um amargo dissabor. E o padre perguntou-lhe porque não lhe agradava a referência à carta apostólica de João Paulo II. E o bispo disse: “Acontece que há muita gente de outras dioceses onde se contesta o ensinamento do papa e podia surgir uma discussão inoportuna no congresso.”

Desde então – disse-me o padre – fiquei convencido de que, contando com as atitudes ambíguas e omissões da hierarquia, a heresia avançava em surdina em todos os setores da Igreja.

De maneira que não ficarei surpreso se amanhã vir nas missas solenes da Ecclesia Dei diaconisas cantando o Evangelho, pregando ou batizando seus netinhos. Muitos padres birritualistas certamente vão participar de cerimônias servidas pelas reverendas.

De capitulação em capitulação chegamos às diaconisas e bispas. Que vão, quem sabe, tomar chá com a papisa rainha Elisabeth na sede da seita anglicana.

Anápolis, 4 de agosto de 2016.

Festa de São Domingos Gusmão, fundador da Ordem dos Pregadores, apóstolo do Santo Rosário de Nossa Senhora.