Art. 6 — Se a vontade é sujeito de alguma virtude.

(III Sent., dist. XXIII, q. 1, a. 4, qª 1; dist XXVII, q. 2, a. 3, ad 5.; De Verit., q. 24, a. 4, ad 9; De Virtut., q. 1, a. 5; a. 12, ad 10; q. 2, a 2).

O sexto discute-se assim. — Parece que a vontade não é sujeito de nenhuma virtude.

1. — Pois, nenhum hábito é necessário no concernente a uma potência, em virtude da própria natureza desta. Ora, a vontade, por sua própria natureza, fundando-se na razão, conforme o Filósofo1, há de tender ao bem racional, para o qual se ordenam todas as virtudes, porque cada ser naturalmente deseja o próprio bem; ora, a virtude é um hábito, a modo da natureza, consentâneo com a razão, no dizer de Túlio2. Logo, a vontade não é sujeito da virtude.

2. Demais. — Toda virtude ou é intelectual ou é moral, como já se disse3. Ora, a virtude intelectual tem como sujeito o intelecto e a razão, mas não à vontade; a virtude moral, por outro lado, tem como sujeito o irascível e o concupiscível, que são racionais por participação. Logo, nenhuma virtude tem a vontade como sujeito.

3. Demais. — Todas os atos humanos, aos quais se ordenam as virtudes, são voluntários. Se pois há alguma virtude na vontade, em relação a certos atos humanos, pela mesma razão haverá relativamente a todos. E então, ou não haverá nenhuma virtude em nenhuma outra potência, ou duas virtudes hão-se de ordenar a um mesmo ato; ora, isto é inadmissível. Logo, a vontade não pode ser sujeito da virtude.

Mas, em contrário, o motor exige maior perfeição que o movido. Ora, a vontade move o irascível e o concupiscível. Logo, a virtude há de existir, com maior razão, na vontade, do que no irascível e no concupiscível.

SOLUÇÃO. — Como o ato da potência se aperfeiçoa pelo hábito, ela precisa desse hábito que é uma virtude, para bem agir com perfeição, quando para isso ela, pela sua própria natureza, não baste. Ora, toda potência por natureza se ordena ao seu objeto. Por onde, sendo, como já se disse4, o objeto da vontade o bem da razão à vontade proporcionado, esta última não precisa, por este lado, da virtude que aperfeiçoa. Mas dela precisa quando ao homem se lhe apresenta à vontade um bem que o excede, pela desproporção, quer relativamente a toda a espécie humana, como o bem divino, que transcende os limites da natureza humana, quer quanto ao indivíduo, como o bem do próximo. Por onde, tais virtudes, como a caridade, a justiça e outras, que ordenam o afeto do homem para Deus ou para o próximo, tem como sujeito a vontade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A objeção tem cabido relativamente à virtude que ordena ao bem próprio do sujeito que quer, como a temperança e a fortaleza, e outras semelhantes, que versam sobre as paixões humanas, conforme do sobredito se colhe.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Racional por participação não é só o irascível e o concupiscível, mas, em absoluto, i. é, universalmente, o apetitivo, como já se disse5. Ora, no apetitivo está compreendida a vontade. E portanto, se há nesta alguma virtude, há de ser moral, se não for teológica, como a seguir se demonstrará6.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Certas virtudes se ordenam ao bem da paixão moderada, o que é próprio a cada homem em particular. E nessas não é necessário haver nenhuma virtude na vontade, pois, para tal, basta à natureza da potência, como já se disse; senão só naquelas virtudes ordenadas a um bem extrínseco.
1. III De anima (lect. XIV).
2. Lib. II De invent., cap. LIII.
3. Ethic (lect. XX) et II Ethic. (lect. I).
4. Q. 19 a. 3.
5. Ethic. (lect. XX).
6. Q. 62, a. 3.