Artigo 7 – Se os pecadores se amam a si mesmos.

O sétimo discute-se assim. – Parece que os pecadores amam-se a si mesmos.

1. – Pois, o principio do pecado existe, por excelência, nos pecadores. Ora, o amor de si é princípio do pecado, porque é ele, no dizer de Agostinho que constitui a cidade de Babilônia. Logo, os pecadores amam-se, por excelência, a si mesmos.

2. Demais. – O pecado não destrói a natureza. Ora, a cada um é próprio, por natureza; amar-se a si mesmo; por isso, até as criaturas irracionais desejam naturalmente o bem próprio, por exemplo, a conservação do próprio ser e bens semelhantes. Logo, os pecadores amam-se a si mesmos.

3. Demais. – O bem é amável para todos, como diz Dionísio. Ora, muitos pecadores se consideram bons. Logo, muitos amam-se a si mesmos.

Mas, em contrário, a Escritura: daquele que ama a iniquidade aborrece a sua alma.

SOLUÇÃO. – Amar-se a si mesmo é, de um modo, comum a todos; de outro, próprio dos bons; e de um terceiro modo, próprio dos maus.

Pois, o amar alguém aquilo mesmo que presume ser é comum a todos. Ora, o homem é considerado ser, de dois modos. – Primeiro, pela sua substância e natureza. E a esta luz, todos julgam ser o que são, isto é, compostos de alma e corpo. E assim, também todos os homens, bons e maus, amam-se a si mesmos, na medida em que amam a própria conservação. De outro modo se diz que o homem é um ser, pelo que há nele de principal assim, por ser o chefe do Estado, o Estado, dizemos que o que faz o chefe faz o Estado. E, neste sentido, nem todos se julgam ser o que são. Ora, o que há principal no homem é o espírito racional, sendo secundária a natureza sensitiva e corpórea. E desses dois elementos o Apóstolo chama ao primeiro homem interior, ao segundo, exterior. Ora, os bons consideram como o que tem de principal a natureza racional, ou, o homem interior; e assim julgando, consideram-se como sendo o que são. Os maus porém julgam ter como elemento principal a natureza sensitiva e corpórea, isto é, o homem exterior. Por onde, não se conhecendo bem a si mesmos, a si mesmos não se amam verdadeiramente, mas, amam-se pelo que se julgam ser. Ao contrário, os bons, conhecendo-se verdadeiramente a si mesmos, verdadeiramente a si mesmos se amam. E isto o Filósofo o prova pelos cinco elementos próprios à amizade. Pois e primeiramente cada amigo quer que o amigo exista e viva; segundo, quer-lhe bens; terceiro, faz-lhe bens; quarto tem prazer em conviver com ele; quinto, concorda com ele, alegrando-se e entristecendo-se ambos com as mesmas coisas. E assim sendo, os bons amam-se a si mesmos, no concernente ao homem interior, por quererem conservá-lo na sua integridade. E lhe desejam os bens próprios dele, que são os espirituais; e também se esforçam para que os consiga. E tem prazer em se concentrar no seu espírito porque nele encontram os bons pensamentos, no presente; a memória dos bens passados e a esperança dos futuros, que lhes é causa de prazer. Semelhantemente, não padecem dissensão na vontade, por toda a alma deles tender para a unidade.

Ao contrário, os maus não querem conservar a integridade do homem interior; nem lhe desejam os bens espirituais; nem se esforçam por tal; nem tem prazer em conviver consigo mesmos, concentrando-se no seu espírito, porque nele encontram males presentes, passados e futuros, que aborrecem. Nem vivem em concórdia consigo mesmos, por causa da consciência que os remorde, conforme aquilo da Escritura: Arguir-te-ei e to porei diante da tua cara.

E pela mesma via pode-se provar que os maus se amam a si mesmos, no concernente à corrupção do homem exterior. Ora, em tal sentido, os bons não se amam a si mesmos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ O amor de si, que é o princípio do pecado, é próprio dos maus e chega até o desprezo de Deus, como no mesmo lugar diz Agostinho. Porque os maus amam os bens externos a ponto de desprezarem os espirituais.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Embora os maus não fiquem totalmente privados do amor natural, têm-no, contudo, pervertido, da maneira já exposta.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Os maus, na medida em que se consideram bons, participam algo do amor de si mesmos. Mas esse não é o verdadeiro amor de si, senão só aparente. Mas, nem mesmo esse é possível ter os que são muito maus.