Francisco I e Nossa Senhora Corredentora

Postado em 14-12-2019

Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

A cada dia que passa torna-se mais evidente a insensatez de certos católicos conservadores que afirmam que, diante das inúmeras declarações desconcertantes e dos ensinamentos heterodoxos do papa Francisco, a única atitude correta (deveriam confessar, a única atitude cômoda), a única postura coerente de um católico é limitar-se a rezar pelo papa, disfarçando ao máximo seus desvios, numa dissimulação, num acobertamento de seus erros. Ao contrário dessa posição cômoda, que evita os dissabores de todo tipo de perseguição, Santa Catarina de Sena, que chamava o papa “o doce Cristo na terra”, dizia que o silêncio tudo corrompe.

Como ficar calado quando vemos a dignidade excelsa de nossa Mãe Maria Santíssima rebaixada por uma recente declaração de Francisco Bergoglio que disse que é uma “tonteria” proclamar Nossa Senhora Corredentora? Impossível guardar silêncio em face de quem tripudia sobre o título mais glorioso da Rainha dos Mártires.

Se o papa, em tom sereno e digno, se reportasse às dificuldades teológicas que o título de corredentora atribuído à Maria Santíssima implica, acataria respeitosamente as palavras do Santo Padre. Mas não é o caso.

A declaração infeliz de Francisco exige uma reparação pública, porque qualquer palavra, qualquer gesto tendente a diminuir a dignidade da Medianeira de todas as graças – a qual não é um simples membro ilustre do corpo místico de Cristo que intercede pelos seus filhos, como pretende a teologia modernista -, sobre ser suspeita de heresia, é nociva à piedade das pessoas mais simples e contradiz a doutrina tradicional resumida nos célebres dizeres de São Bernardo: De Maria nunquam satis.

É verdade que o título de corredentora suscita certas dificuldades, coisa admitida por  teólogos abalizados como o cardeal Pietro Parente no Dizionário di Teologia Dommatica (cf. verbete “Corredentrice”, Roma, 1957), mas não se trata de dificuldades insanáveis.

Corredentora é um título atribuído a Nossa Senhora com longa história. Consta ter aparecido pela primeira vez no século XIV, sendo precedido pelo título de “Redentora”, do século X, empregado para nomear a Mãe do Redentor.

Os verdadeiros teólogos católicos resolvem as dificuldades em torno do título “corredentora”, admitindo a corredenção de Nossa Senhora como uma realidade secundária e subordinada à redenção principal, suficiente e necessária de Cristo. Maria Santíssima não se limitou a ser o meio pelo qual nos veio o Redentor, mas consentiu com sua vontade livre na obra da Encarnação Redentora e ao longo da sua vida uniu-se à Paixão de Cristo. Tanto assim que São Boaventura diz que ” só havia um altar: a cruz do Filho onde a Mãe era sacrificada juntamente com o Cordeiro Divino. Por isso, pergunta-lhe: “Ó Maria, onde estáveis? Junto à cruz? Ah! com muito maior razão digo que estáveis na mesma cruz, imolando-vos crucificada com vosso Filho.” (Apud As glória de Maria, de Santo Afonso Maria de Ligorio)

Somente os protestantes que negam a necessidade das obras para a salvação (sola fides) e não compreendem a distinção fundamental entre a redenção objetiva (operada por Cristo) e a redenção subjetiva (a necessária colaboração do homem com a graça para a sua justificação) não podem aceitar que se diga que Nossa Senhora é corredentora, não no sentido de que a mediação ou corredenção de Maria seja principal ou equivalente à de Cristo, quer dizer, não há dois redentores, Cristo e Maria, mas secundária, dependente da redenção principal de Cristo, não porque fosse absolutamente necessária, mas por um disposição divina: Deus quis a participação de Maria Santíssima no drama do Calvário.

Para os católicos fiéis à tradição e ao magistério constante dos papas, a questão é pacífica. Com efeito, além da Sagrada Escritura que, segundo a interpretação do Doutor Máximo São Jerônimo, nos fala, no livro do Gênesis (III, 14-15), de uma mulher (Maria Santíssima) e de sua estirpe (Jesus Cristo), a qual, com Cristo, esmagará a cabeça da serpente, além desta passagem da Sagrada Escritura e de outras do Novo Testamento, temos os ensinamentos dos grandes papas anteriores ao desastroso Concílio Vaticano II. Por exemplo, a respeito de Nossa Senhora Corredentora escreveu o papa Leão XIII na encíclica Iucunda semper: “sobre o calvário, levada por um imenso amor de nós, para dar-nos novamente a vida sobrenatural da graça e ter-nos como filhos espirituais, ofereceu ela mesma  seu Filho à justiça divina e com ele morreu espiritualmente traspassada por uma espada de dor em seu coração.” São Pio X diz uma verdade importantíssima sobre a corredenção de Maria Santíssima na encíclica “Ad diem illum, que esclarece a idéia de que Maria foi associada à obra redentora de Cristo por disposição divina e não unicamente por sua livre vontade, de maneira que sua corredenção é necessária hipoteticamente, quer dizer, porque Deus a quis: Maria foi associada à Redenção de Cristo e não foi Maria que se associou à dolorosa obra de resgate da humanidade de Jesus.Temos ainda a carta apostólica de Bento XV (primeiro papa a definir teologicamente a doutrina de Nossa Senhora Corredentora), Inter sodalicia, na qual diz: “Maria, sobre o calvário, aos pés da cruz, sofreu de tal maneira e quase morreu com seu Filho padecente, por um designo divino, e imolou o seu Filho para aplacar a justiça divina, de modo que, com razão, se pode dizer que Maria redimiu, juntamente com Cristo, o gênero humano”. Temos ainda o ensinamento de Pio XII na sua importantíssima encíclica Mystici Corporis: “Ela finalmente, suportando com ânimo forte e confiante imensas dores, verdadeira Rainha dos mártires, mais que todos fiéis, “completou o que falta à paixão de Cristo…pelo seu corpo que é a Igreja (Cl. 1, 24), e assistiu ao corpo místico de Cristo, nascido do Coração rasgado do Salvador, com o mesmo amor e solicitude materna com que amamentou e acalentou no berço o menino Deus.”

Tendo em vista estes monumentos de sabedoria e piedade cristãs que nos legou a Sagrada Tradição, custa-nos entender como Bergoglio possa dizer que “Nossa Senhora Corredentora é uma tonteria”, como possa dizer uma coisa tão vulgar, tão desprovida de siso, coisa própria dos mais reles hereges. A explicação só pode ser uma: uma nova religião se instalou no Vaticano, sob a influência do neo-modernismo e da teologia da libertação. Pretenderam-se sábios em sua vã ciência moderna, em um desprezo soberbo da tradição, tornaram-se estultos.

A nossa reação e resistência a tão incomensurável devastação da vinha do Senhor deve ser sem nenhum acanhamento e compromisso com os poderosos do dia.

Sed haec est hora illa vestra, et potestas tenebrarum. 

Não tenhamos ilusão e não nos deixemos abater: os modernistas, desde o Vaticano II, triunfam e empreendem sua obra devastadora. Combatamos o erro com desassombro, não importa de onde venha.

A nós nos resta permanecer firmes aos pés da cruz, com nossa Mãe Corredentora, porque a iniquidade não triunfará.

 

Anápolis, 14 de dezembro de 2019.