Navegantes e naufragantes

Postado em 08-02-2017

Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

Na travessia do mar tempestuoso desta vida há católicos que infelizmente preferem ouvir o canto da Sereia ao canto da Stella Maris, o canto da Senhora Soberana do céu e da terra. Certissimamente vão naufragar porque se recusam a sofrer todas as humilhações que a Providência Divina envia aos eleitos para purificá-los na demanda do reino do céu.

A vida do católico aqui na terra sempre foi e será um esforço constante para não desertar do combate a ser travado sob os estandartes de Cristo Rei contra o reino de Satanás e do Anticristo. É a doutrina exposta e defendida pelos grandes teólogos e mestres da vida espiritual com base na Sagrada Escritura. É a doutrina de Santo Agostinho na monumental Cidade de Deus. Em um regime de cristandade, em um estado confessional católico, onde as autoridades políticas se empenham em organizar a sociedade conforme a lei de Deus, a luta contra os inimigos da salvação pode ser menos renhida, mas, mesmo assim, a vida do católico será sempre uma luta.

Desgraçadamente, a partir do Vaticano II semelhante concepção da vida católica como um combate foi sendo deixada de lado para ser finalmente substituída pelo mito do diálogo. Não o diálogo como sempre o entendeu toda a tradição desde a antiguidade, como, por exemplo, Platão. Não o diálogo como uma investigação de pessoas que, tendo os mesmos princípios e valores, se unem em um esforço comum para chegar à solução de um problema ou sanar uma dúvida que aflige a todos. Mas um diálogo de céticos desesperados e contraditórios que, não vendo sentido em nada, se unem apenas no afã de descobrir uma regra geral de como compartilhar melhor as alegrias e penas de uma vida efêmera. Sinceramente, acho que não há exagero nestas palavras.

Foi assim que deixando de lado o hino Stella Maris, muitos católicos passaram a ouvir e a cantar o canto da Sereia e abraçaram os ídolos dos tempos modernos: democracia, liberdade, igualdade de oportunidades, direitos humanos. E agora vêem-se até defrontados com a necessidade de dialogar sobre questões que a princípio pode causar-lhes alguma repugnância mas terão de engolir se não quiserem receber a pecha de fundamentalistas. Refiro-me aos tópicos constantes da agenda da nova ordem mundial: direitos reprodutivos e sexuais da mulher, aborto, “casamento homossexual”, ideologia do gênero etc.

Com efeito, desprezando a Virgem Prudente, a Sede da Sabedoria, e ouvindo a Sereia, não puderam ou não quiseram esses católicos que agora naufragam e estão consternados com a rejeição do nome do jurista Ives Gandra para o Supremo Tribunal Federal, não puderam ou não quiseram entender que o mundo pós-moderno, herdeiro de todos os erros condenados pelo magistério tradicional da Igreja, não dá mais lugar a quem queira defender nas instâncias públicas valores morais baseados em princípios metafísicos ou teológicos. Não quiseram reconhecer que mais cedo ou mais seriam alijados por seus companheiros de viagem a quem adulavam ao mesmo tempo que zombavam dos católicos tradicionalistas taxados de fundamentalistas e cismáticos. Foram merecidamente devorados pelo grande monstro, pelo Leviatã moderno, chamado democracia laica ou secular, ao som do canto da Sereia, enquanto os católicos fiéis à tradição da Igreja escapam do naufrágio, escapam de ser comidos pelo monstro ou tragados pelo dilúvio porque preferem ser marginalizados, preferem ficar de fora, cantando Stella Maris e rezando o santo rosário.

O grande imperador Filipe II dizia “prefiro não reinar a reinar sobre hereges.” Palavras de grande valor moral, palavras de espantosa atualidade. Realmente, que pode fazer um rei católico em um país de hereges? Que pode fazer hoje um governante católico quando as famílias estão desestruturadas e as instituições completamente aparelhadas por bandidos revolucionários?

Que bem poderá fazer hoje um juiz católico na suprema corte? Certamente bem pouco para não dizer nada.

As palavras de Filipe II me convencem ainda mais de como estão errados os príncipes e monarquistas que sonham com a restauração do trono a qualquer custo. Que vale uma monarquia oca, uma monarquia cerimonial? Conta-se que o Conde de Chambord, prejudicado pelo ralliement de Leão XIII, teria dito que se tivesse cingido a coroa da França, não o teriam deixado governar porque não transigiria nos princípios fundamentais da política católica.

Do mesmo modo, que bem poderá fazer hoje um jovem sacerdote que aspire ao episcopado? Uma vez no governo de uma diocese, quanta resistência dos modernistas e dos progressistas da teologia da libertação não encontrará? Realmente, esses tais que aspiram ao episcopado não aquilatam a cruz que pedem. Uma cruz talvez não para a salvação mas para a própria condenação. Não se trata de recusar o exercício da autoridade por comodismo, por falta de fortaleza, mas de, com prudência, examinar as circunstâncias e reconhecer que hoje, como está a sociedade, não há lugar para homens de bem no governo. A sociedade está reduzida a uma quadrilha de bandidos e degenerados. As instituições faliram.

As palavras de Filipe II me fazem ver também como estão errados os leigos e clérigos que correm atrás de títulos nobiliárquicos e honoríficos. A dignidade de um título se mede pelo valor de quem o confere. Ser nomeado cavaleiro por um grande monarca sem dúvida é um notável galardão. Ser nomeado monsenhor por um santo papa também. Mas hoje tudo isso é impossível.

Das palavras de Filipe II me utilizo também para ilustrar a situação da Fraternidade Sacerdotal São Pio X. Há católicos “conservadores” ou linha média que desejam um acordo da Fraternidade com o Vaticano de Francisco I, fazem campanha para que ela tenha reconhecimento canônico de direito pontifício. Que bem poderá fazer a Fraternidade uma vez reconhecida? Muito mais nobre será sofrer o labéu de ter sido esbulhada nos anos setenta da sua estrutura canônica do que agora obter mediante termos ambíguos um reconhecimento. Muito mais nobre será agora pedir ao Vaticano que declare nula a supressão canônica ao tempo de Paulo VI do que estudar agora a viabilidade da ereção de uma prelazia pessoal.

Conta-se que o Patriarca José Bonifácio recusou o título de marquês de Santos, por discordar das atitudes de Dom Pedro I. Este, para desfeiteá-lo, agraciou sua favorita Domitila com o título de marquesa de Santos. O grande Joaquim Nabuco, embora também monarquista, recusou um título de visconde que lhe oferecia Dom Pedro II. Ambos são exemplos de autêntica nobreza não titulada.

A sociedade corrompeu-se a tal ponto hoje, que os verdadeiros católicos, se não quiserem trair sua consciência e sua fé, não podem mais esperar cargos e honrarias das altas esferas. Todos estamos assistindo perplexos aos desafios à autoridade do presidente dos EUA, que está longe de ser um estadista defensor dos valores tradicionais. Serve apenas para demonstrar o descontentamento de uma grande parcela da opinião pública. Não se sabe ainda como terminará a história.

Se nos Estados Unidos, onde o povo é mais culto e a sociedade bem mais organizada que a nossa, a situação é calamitosa, que dizer do Brasil depredado pelo lulopemedemismopetista e pela teologia da libertação?

Só nos resta rezar, só nos resta pedir o socorro da Estrela do Mar, bem longe da Sereia. Só nos resta salvar nossas famílias e pequenas comunidades.

Deus, venerunt gentes in heriditatem tuam, polluerunt templum sanctum tuum, posuerunt Ierusalem in pomorum custodiam. (Ps. 78)

Anápolis, 8 de fevereiro de 2017.

Festa de São João da Mata